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Habeas Almas

terça-feira, 10 de abril de 2018

1986 – O Ano que Mudou Nossas Vidas


                   Mil novecentos e oitenta e seis, ano de mudanças para o Brasil, para mim e para muitos dos meus amigos.
                   Nova República; nova moeda; o Cruzado; Sarney Presidente; o Rock brazuca tomando conta do País e de uma geração; o Rock gaúcho começando a ocupar seu espaço e o Rock inglês tomando conta do mundo.
                   Eu, então com 19 anos, vivi muito desta efervescência, apesar deste ano ter sido totalmente atípico para mim, pois prestei o serviço militar obrigatório, isso mesmo, fui milico, ‘reco’, durante 1 ano e 26 dias.
                   Apesar de ter acontecido contra a minha vontade, vivi grandes aventuras e fiz amigos para uma vida inteira.
                   Nesta época, meus amigos e eu, tínhamos uma espécie de Quartel General, para nos encontrarmos, sem agenda, sem compromisso, pintava lá e encontrava um camarada ou vários, para tomar uma ceva gelada, bater um papo e dar uma “formigada nas minas” e também marcar uma banda na night.
                   O quartel general que me referi anteriormente, era a sorveteria do Seu João velho camarada, da Roselaine, amiga, gente boa e mãe do Casinha, filho do Casão, leia-se Gladimir e o próprio e seu uniforme jaleco amarelo limão cítrico. A sorveteria ficava no seguinte endereço: na “Júlio” quase esquina da Tamoio, ao lado do “X” do Mel e quase na frente da casa da “mina do Daison” leia-se Simone, hoje esposa do Daison, mãe do Alison e dos gêmeos Andrei e Andressa, uma bela família.
                   A história que vou contar, não me lembro o mês, nem se era dia 10 ou dia 15, me lembro que era o inverno de 1986.
                   Sexta-feira a noite como de costume estávamos na sorveteria bebendo umas “cevas”, além de mim, Daniel, ele mesmo, Daniel animal, grande parceiro, Jorginho, hoje menino do Rio, Alfeu e Fernando “Bozó”. Nessa época eles formavam a banda de Hard Rock Habeas Almas, orquestrada pelo Daniel e suas composições politicamente corretas. O assunto da mesa era um só, o show que o Habeas Almas faria no sábado junto com a banda Astaroth(Banda de Heavy Metal, bastante conhecida nos anos 80 no estado), na cidade de Carazinho, interior do estado, onde estava nosso amigo João Maurício, passando uma temporada, digamos, para recuperar as energias e reorganizar as idéias.
                   Acontece, que ficamos até às 3 da manhã conversando e bebendo na sorveteria, e o ônibus que nos levaria até Carazinho sairia da rodoviária de Porto Alegre às 7 da manhã e de fato saiu e eu o perdi. Tentei abordá-lo na BR-116, junto à Estação Niterói do Trensurb, meus camaradas que estavam no bus tentaram também, ambos sem sucesso. Fiquei ali parado vendo o ônbus sumir na BR, sem poder fazer nada, uma grande frustração. Voltei para casa decepcionado!! Tomei uma café e uma decisão: vou para Carazinho!!!. Peguei o Trensurb e fui até a rodoviária em Porto, consegui passagem de ida para o final da tarde, grana curta... vida de milico... mas comprei a passagem!
                   Só sabia que o show era em Carazinho, mais nada. Embarquei com a cara e a coragem de quando se tem 19 anos, e fui. Chegando lá, já era noite, um frio do car......o, perguntei a uma garota que desembarcou comigo se ela sabia onde era o show. Por coincidência, ela conhecia o João Maurício, mas não me recordo o nome dela, o namorado veio apanhá-la no rodoviária,  cara super gente boa, me deu uma carona até o local do show.
                   De cara, encontrei o João Maurício, logo em seguida, o Daniel, o Jorginho, Alfeu, Sérgio Gomes e a esposa. Acho que tinham feito a passagem de som. Saindo de lá, fomos todos para casa do Zé bombeiro, camarada do João Maurício, “uma figura”.
Chegando lá tinha uma galera muito louca, muito legal e já rolava a “descontração”. A convite do Zé bombeiro, a galera ficou baixada na baia do cara. Depois “dos dois” deu àquela “larica”. Fomos todos, Habeas Almas e seu staff jantar num restaurante por conta da organização do evento, aonde fomos apresentados à ala feminina da cidade.
                   Alimentados, fomos para o show, ceva liberada rock & roll e a mulherada...
                   Pela primeira vez, vi o Jorginho no palco com a banda, o show matou a pau, do mesmo nível do Astaroth. Meus camaradas estavam eufóricos e orgulhosos pelos aplausos do público e ao mesmo tempo aliviados pela estréia do Jorginho como vocalista ter sido um sucesso.
                   No show conheci uma loira chamada Adriana, também amiga do João Maurício, uma gata, filha de um fazendeiro plantador de arroz de Carazinho. Ficamos conversando e bebendo até o final da festa. Ela estava de carro, coisa rara na época, me convidou para tomar uma saideira, depois me levaria até a baia do Zé bombeiro. De cara aceitei, mas como nada é perfeito “do nada” apareceu o Alfeu pedindo uma carona, pois o Daniel já tinha saído de carona em outro carro e o Alfeu “ficou de pernada”.
                   Fomos todos para baia do Zé bombeiro, um frio do C....., chegando lá estavam todos bebendo vinho “de garrafão” e outros climas. Jorginho duro de Fanta, um amigo dando um xá-lá-lá numa gata e eu na Adriana também.
                   Uma hora depois, todos foram dormir exceto  eu, um amigo e as “minas”, que estávamos na sala, quando resolvi ir junto com a Adriana pegar mais vinho na cozinha, no caminho para cozinha passamos por um quarto com a porta aberta e aí que me surge a figura do Jorginho, deitado e dormindo na cama em uma posição fetal e tremendo de frio, sem nenhum lençol e nenhum cobertor, quase num quadro de hipotermia. Adriana me olha e diz: - Vamos colocar um cobertor nele! Senão vai morrer de frio!! Quando ela abre o cobertor de lã para cobri-lo, num ímpeto, numa fração de segundo, aquele corpo adormecido e cansado salta da cama quase que por instinto e se põe de pé, numa posição de defesa, movimentando os braços como se fosse “Kwai Chang Caine” – o monge Shaolin do seriado Kung Fu. Quando chamei-o pelo nome ele despertou! Pediu desculpas pelo gesto, pegou o cobertor e voltou a dormir.
                   Peguei o vinho, quando voltei para sala com a Adriana, e o tal amigo  já havia se agigantado para cima da “mina” que estava com ele, combinei com a Adriana, que tomaríamos o vinho no quarto, para deixar os dois mais a vontade e nós ficarmos tranqüilos no quarto. Apaguei as luzes e ficamos ali naquele clima “James Taylor”. Quando estávamos passando dos entretantos para os finalmentes, a surpresa, Alfeu acorda e sai acendendo todas as luzes da casa a procura de um remédio. Acabou com o clima, as mulheres, se inibiram, se retraíram e resolveram ir embora para suas casas. O amigo e eu queríamos “matar” o Alfeu, que naquele momento foi o legítimo, o autêntico “empata-foda”. Naquela madrugada gelada só nos restava dormir, e foi o que fizemos.
                   No domingo, lá pelo meio dia, a Adriana pintou lá na casa do Zé bombeiro, de motinho – TT125. Fomos dar uma banda até a rodoviária para comprar a passagem de volta, chegando lá, o susto, não tinha mais passagem para Porto Alegre. Bateu o terror, pois tinha que estar no quartel na segunda as 7 da manhã. Voltei para avisar os guris e tentar uma carona, que não rolou.
                   Resolvi voltar na rodoviária, me identificar como militar e tentar um jeito de voltar, fomos eu e o Jorginho, chegando lá, fui ao gerente da rodoviária e disse: “Sou militar, estou de serviço e tenho prioridade no embarque”, e o Jorginho de pronto falou: “Eu também”. O gerente aceitou o “71”, porém teríamos que ir num bus pinga-pinga, e de “pé”, pois não tinha mais lugares vagos. Aceitamos, uma penitência, “vamos combinar” seis horas de pé num bus pinga-pinga, é para f..., e ainda atrasou, chegamos a uma hora da manhã na rodoviária de Porto Alegre, esperamos mais um tempo o outro bus para vir até Niterói, fui dormir as 3 da manhã, exausto, para levantar às 6, ir para o quartel e tirar 24horas de guarda.
                   Mas, valeu!!! Tanto que mais de 20 anos depois estou aqui escrevendo esta história minha e dos meus amigos.
                   Nunca mais falei com a Adriana. Soube que o Zé bombeiro subiu, virou uma estrela. O João Maurício, encontrei o ano passado. O Alfeu, vejo vez em quando. O Jorginho, mesmo morando no Rio, o Daniel em Canoas e eu em Porto Alegre sempre estivemos juntos, nestes mais de vinte anos, mais que amigos, irmãos.
                   Janeiro de 2007 – Faço 40 anos no último dia deste mês, o tempo não pára, mas continuo acreditando naquela música do Apocalipse.
                   ... ♫ amizade, igualdade, coisas de irmão!!! Seja branco ou preto, amarelo ou não... ♫ ...



Marcelo Gonçalves
                                                                                                   Verão 2007