;

Habeas Almas

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Poema a Quatro Mãos

O poema abaixo foi escrito na mesa do Barzão, em Canoas RS no sábado à noite. O motivo foi uma necessaire que um amigo achou caída na rua.
Na pequena bolsa continha alguns objetos mas nenhum que pudesse identificar a dona da mesma.
Começamos a divagar sobre a identidade, profissão, etc da pessoa que perdeu a referida necessaire.
Lá pelas tantas o Belcino teve a idéia de escrevermos um poema que refletisse um pouco as questões levantadas sobre o objeto encontrado.
O resultado está abaixo: um texto excrito a quatro mãos.
Na ordem: Belcino, Álvaro, Daniel e Nato
Valeu
Daniel

Uma caneta perdida, quatro mãos e um guardanapo.
Barzão, 24/11/2007

A tinta que escorre
Não sei de onde vem
achei-a perdida
e a fiz de refém

Na noite que urde
E me faz divagar
Que a dor de uma perda
Embora a perceba
Não sei soletrar

Perder matéria não é nada
Problema é não sentir nada
Por um minuto lá
Eu me perdi
Posso ser sua desculpa
Culpa da sua renúncia!

Naufragado nas profundezas
Do objeto do enigma
Emergi no teu mundo
Sugeri minha história

Rapidamente as sutilezas
Me imputaram um estigma
De um labor meio imundo
De um viver na escória

Com a responsabilidade
De cuidar de uma tinta escorrida
Que virou um refém,
Iria me fazer de rogado.
Mas confesso: não ficaria bem.
Uma coisa é certa:
Essa renúncia me causaria angústia.
Poderia usar de subterfúgios, fugas e astúcia.
Porém por estar em companhia de amigos,
Um de agora, outros de tempos idos,
Pensei em heróis, mocinhos e bandidos.
E como mesmo assim me surgisse uma história
Que emergisse das profundezas,
Apelei pro banal;
Para o exterior;
O trivial.
Então, na iminência de fugir da missão
Pensei num meio, um medium em ação.
E tal como um salto súbito, feito um "mosh"
Olhei pra minha mão direita e achei o mesmo:
Uma caneta Bosch.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Panta, Jorginho, Maestro Tiago Flores e quarteto de Cordas no Abbey

Na sexta-feira passada foi a segunda apresentação do PANTA com o show Bandas Inglesas no Abbey Road Studio bar em Porto Alegre.

O show teve a participação do maestro Tiago Flores com um quarteto de cordas da Orquestra da Ulbra. Além disso teve a participação do nosso grande amigo (e meu cumpadre) o tenor Jorge Pereira (Jorginho) cantando a parte do Pavarotti na música Miss Sarajevo.

Mais uma vez sensacional. Com direito a bis e tudo foi um momento realmente emocionante do show do Panta. Prá nós amigos então foi algo de arrepiar pois acompanhamos toda a trajetória do Jorginho desde os tempos em que ele iniciou a cantar. Agora ele mostra uma maturidade na voz e na técnica que evidencia os anos de estudo e preparação que ele tem dedicado à música nesses anos todos em que ele deixou o Rio Grande do Sul e foi morar no Rio de janeiro.

Esta foto eu tirei lá de cima do mezanino do Abbey. Ficou bem escura porque à distância o flash piora ainda mais...

Prá mim é particularmente gratificante constatar o elevado nivel em que está o nosso amigo Jorginho. Principalmente porque foi comigo que ele iniciou sua trajetória musical, numa época em que tocávamos em tudo quanto era canto. De bares fazendo um duo de violão e voz, passando por galerias, festivais e concertos de rock com a banda Habeas Almas. Saudades daqueles tempos. Mas quem sabe logo vem algum novo projeto musical por aí...?

Eu tive a oportunidade de assistir às duas apresentações em que houveram as enriquecedoras participações do maestro Flores, do quarteto de cordas e do nosso amigo Jorginho. O show do Panta está realmente muito bom. Mesclando canções próprias com interpretações de clássicos do pop inglês, ele entusiasma a platéia com sua voz vigorosa e aguçada sensibilidade musical.

Agora de contrato assinado com a Som Livre a carreira do Panta tende a decolar. Talento ele tem de sobra.

Quanto às fotos do show, lamento informar que minha máquina digital (como a maioria das digitais baratas que tem por aí) é péssima prá fotos com pouca luminosidade. Por isso o que acontece na maioria das vezes é ter que apontar pra uma direção e rezar para que tudo corra bem. E foi o que aconteceu. Uma moça estava com a cabeça na frente e terminou atrapalhando algumas das fotos que tirei do show posicionado no meio da platéia. Isso explica porque tive que tirar um pedaço da foto que encabeça este post.

Também estou colocando este pequeno áudio que gravei no meio da galera e que serve prá ter uma idéia da interpretação da música Miss Sarajevo com o Jorginho fazendo a parte do Pavarotti. Baixe o ÁUDIO AQUI
PS:Tudo bem, eu sei que este post está com um atraso de uma semana visto que hoje é sexta-feira de novo. Mas somente agora sobrou algum tempo pra tentar rapidamente postar.

Algumas Notícias do Mundo do Rock

A partir de hoje começo a inserir junto com as atualizações relacionadas a nossa turma algumas notícias do mundo do rock.
A idéia é ir tornando mais dinâmico e atualizado este espaço trazendo informações, curiosidades e um pouco da história do velho e bom rock and roll.

Quando o tema for curiosidades do mundo da música vou postar qualquer coisa interessante que eu encontre por aí e que ache que valha a pena ler. Acho que com isso vou conseguir direcionar mais tráfego prá cá e consequentemente divulgar ainda mais as histórias de nossa turma.

Valeu
Daniel Elói Pedroso de Oliveira

domingo, 7 de outubro de 2007

Showzaço no Abbey Road Studio Bar

Sexta-feira última assistimos dois shows excelentes no Abbey Road Studio bar em porto Alegre.
No palco, Panta e um baterista passearam por covers de U2, Damien Rice e algumas composições próprias. Foi um dos melhores shows do Panta que eu já assisti. Ele realmente estava numa noite inspiradíssima e esbanjou talento com sua voz.
O show do Panta que já estava excelente ficou melhor ainda quando subiu ao palco o grande trumpetista Jorginho do Trumpete. Com improvisos de muito feeling o instrumentista mostrou que estava totalmente em sintonia com os outros dois músicos protagonizando momentos emocionantes.

A noite começou com o show de abertura por conta da americana Jennifer Nichols que, acompanhada apenas de seu violão, tocou clássicos do folk, blues e country além de algumas canções pops. No repertório Cranberies, Eagles, Janis Joplin entre outros. Uma voz estupenda aliados a muito carisma. A moça mandou ver contagiando todos que estavam presentes. Show de bola. Prá mim dois momentos mágicos de sua apresentação foram os covers de "Me and Bob McGee" e "Mercedes Benz" classicos imortalizados na voz de Janis Joplin que foram adaptados e interpretados com muito talento pela cantora Jennifer.


Assim que eu receber as fotos deste show eu publico aqui.


Na próxima semana parece que o show do Panta vai ser na quinta-feira no Abbey Road. Segundo estou sabendo haverá participações especiais.

Update em 02/11/2007: O show comentado neste post não foi o que o Jorge Pereira (meu amigo e cumpadre Jorginho) participou. O Show PANTA interpretando Bandas Inglesas com participações especiais com o Maestro Tiago Flores, quarteto de cordas da Ulbra e tenor Jorge Pereira são contadas NESTE POST

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

GRENAL - Turma do Rock Parte 2 - O Churrasco de Confraternização



Aeh pessoal, coloquei mais um videozinho do GRENAL da nossa turma. Filmei um pouco o churrasco que teve logo depois da partida. inseri algumas fotos também e uma trilhazinha do Bob Dylan (Like a Rolling Stone) de fundo.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

GRENAL da Nossa Turma - O Importante é a Amizade




Bem pessoal, finalmente consegui terminar essa ediçãozinha em vídeo do GRENAL da Nossa Turma que rolou no Campus da ULBRA em Agosto de 2007.
Como o recurso de video estava bastante precário foi bastante complicado de editar. No total tinham 9 minutos de gravação que reduzi prá 5 min prá poder postar no Youtube sem problemas. Filmado na minha câmera fotográfica Aiptek, o jogo teve como árbitro o nosso amigo Gladimir, que apesar de apitar enrolado com a camisa do Internacional se esforçou pra fazer uma arbitragem imparcial.

Os destaques do jogo no vídeo estão restritos ao primeiro tempo pois foi o que deu pro Bruno filho do jairo filmar. A câmera começou a acusar falta de bateria e o segundo tempo não foi filmado.

Comentem aqui o que vocês acharam do jogo, do placar, dos lances, enfim manifestem-se.

Prá mim estão todos de parabéns, pois apesar da notória falta de forma de muitos a correria foi grande e como dá prá notar no vídeo o jogo estava bem movimentado.

O video mostra alguns lances muito interessantes e alguns piorescos ocorridos no primeiro tempo. Destaque para o vôo do Luke no comecinho do jogo, ficando preso na cerca. Isso mostra que ao contrário das críticas, os 'enxertos' colorados no time gremista desempenharam com dignidade o seu papel. O Léo foi um dos responsáveis pela grande reação gremista (na base da raça prá variar) pois incentivou o tempo todo mesmo quando o placar estava totalmente adverso.O Luke se esforçou bastante e fez algumas jogadas muito legais.

Foi uma pena o Daison não ter podido jogar pois organizou tudo, e inclusive ainda não nos cobrou o churrasco e o chopp.

Não vou comentar o desempenho de cada um pois no geral foi acima da expectativa. A maioria está fora de forma mas apesar disso todos se esforçaram resultando num bom jogo.

Vou citar um destaque: O Kíki me surpreendeu. Apesar do incrível gol perdido sem goleiro, em outra oportunidade ele marcou. Teve um bom um desempenho no restante da partida atuando do meio de campo para o ataque.

O primeiro gol dos vermelhos foi uma tabela entre o Nato e o Jairinho no lado direito do ataque colorado. Muito legal: O Jairo recebe do zagueiro e diante da marcação do Gabriel ele passa pro Nato que devolve em um toque. É o chamado Overlaping ou o 'Toco e me voy' dos argentinos.
Na sequência o Jairo passa a bola em diagonal pro Nato que acerta o canto na saída do goleiro (eu). Tá no vídeo.

A partida teve outros gols e lances muito legais no segundo tempo, inclusive com um golaçõ do jairo do meio da rua, outros gols bonitos do Glênio e o meu gol de cabeça aparando um cruzamento do João Maurício.
No final ficou a expectativa de quando será a próxima confraternização futebolística reunindo esses novos e velhos amigos de sempre.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Na época da Banda Habeas Almas



Já que o Marcelo falou do HABEAS ALMAS, vai aí uma foto prá matar a saudade. Este foi um show no auditório do La Salle (hoje universidade) no centro de Canoas/RS. Final dos anos 80 acho. Da esquerda para direita: Daniel Elói Oliveira (eu) na guitarra, Jorginho (vocal), Alfeu (bateria, ao fundo), Roberto Santamaria (baixo), Marcelo Santos (guitarra), ainda tinha o Sérgio Gomes nos teclados que não aparece na foto.
Na época a banda chegou a ter as músicas "Contra a Solidão", "Sons da Noite" e "Farol" rodando direto diariamente na FELUSP FM, hoje Pop Rock FM.

Ainda Sobre o Rock Desconcert de Carazinho RS
Muito boa lembrança, Marcelo. Já tinha esquecido de muitos destes detalhes sobre esta nossa ' tour' por Carazinho em 1986.
Prá complementar gostaria de contar o que aconteceu depois que vocês foram embora.
Eu e o Alfeu acordamos atrasados. Corremos até a rodoviária mas o ônibus já tinha partido. E nós com as passagens nas mãos...
Aí pegamos um taxi e fomos atrás do ônibus, pois segundo o taxista era possível alcançá-lo. E de fato conseguimos, o motora emparelhou o taxi ao lado do ônibus enquanto fazíamos sinal para ele parar.
O motorista do ônibus ficava olhando surpreso e não entendia o que queríamos com os braços sacudindo feito uns loucos na janela do taxi, que corria bastante.
Aí abanamos com as passagens e o ônibus finalmente parou. Subimos e descobrimos que os nossos lugares já haviam sido ocupados. Outra viagem de pé no corredor. Depois de algumas horas algumas pessoas desceram e conseguimos finalmente sentar e descansar.
Ainda sobre o show que fizemos, lembro que fui prá frente do palco e uma garota me puxou pela bainha da calça e perguntou (gritando, devido ao volume do som):
-- Onde vocês estão hospedados?
Aí eu respondi, meio sem pensar:
-- Na casa do Zé Bombeiro!!
A guria ficou meio sem entender nada. E até acho que ela pensou que eu estivesse tirando sarro da cara dela...
Valeu...



Carnaval em Laguna - Anos 80



CARNAVAL EM LAGUNA


Pois outra viagem inesquecível foi quando fomos eu, o Marcão (Marcos Wallauer) e o Divino (Ângelo Divino) prá curtir o Carnaval em Laguna. A sequência de acontecimentos inusitados já começou na viagem de ida. Eu fui de carona numa carreta. Os dois parceiros conseguiram carona na free-way numa época em que ainda se costumava fazer isso. Hoje se você parar ali prá pedir carona,ou é assaltado ou é preso.
Vou perguntar pro Marcão informações e detalhes de como foi a viagem de ida deles. Depois posto aqui.
De minha parte, fui de caminhão a contragosto do motorista. Ele não tava nem um pouco a fim de dar carona e só o fez porque alguém da empresa que ele trabalhava, que era meu amigo, lhe solicitou que me levasse.
Passei momentos de apreensão naquela carreta carregada de barras de ferro,o cara sentava o sarrafo e cometia imprudências de apavorar. Fazia ultrapassagens múltiplas, e quando a coisa encrespava ele tocava por cima dos carros que estava ultrapassando forçando-os a ir pro acostamento se não quisessem engrossar as estatísticas de trânsito.
Finalmente paramos num posto na entrada de Criciúma que conforme o combinado era até onde eu iria naquela carona. Acho que tanto eu quanto ele demos graças a Deus. Eu pelo medo de acompanhar aquele demente e ele porque nas outras paradas que fizemos bebia só leite. Isso mesmo,reparei que o cara ficava encarando as garrafas de bebida em cada lancheria que parávamos, noentanto não tomou nada porque temia que eu o entregasse na empresa na qual ele trabalhava.
Saí do posto e fui prá estrada tentar uma carona. Depois de algum tempo caminhando no sol, naquele mormaço de verão, nada de carona, eu comecei a ficar bastante desanimado. Naquele fim de mundo, já com fome e ninguém nem sequer fazia menção de parar. Até que a sorte pareceu mudar.
Um cara com um Fiat Fiorino parou subitamente e ofereceu carona. Logo que sentei, depois de ter colocado o violão e a mochila na parte traseira do veículo,percebi que havia alguma coisa errada com aquele cara. Era um sujeito de uns 40 anos, meio alemão, com barba de alguns dias e cabelo desalinhado. Além disso era cheio de tiques e falava sem parar,meneando a cabeça prá os lados como se tivesse que olhar prá todos os espelhos simultaneamente. Pior do que os trejeitos esquisitos era também a tendência a pesar o pé no acelerador. E também adepto das mesmas ultrapassagens suicidas do motorista da carreta que tinha me trazido até ali.
Caiu-me a ficha que o cara tava chapado quando ele falou o seguinte:
-- Meu, tu é cabeludo,tu toca uma viola, então tu também fuma um...
Antes que eu falasse qualquer coisa, ele abriu o porta luvas da Fiorino e caiu caixas de comprimidos, ampolas, e outras porcarias que a julgar pela forma como estavam embaladas também eram drogas. O cara puxou um meio tijolo de erva e em segundos,enquanto dirigia em alta velocidade com um dos dedos mindinhos da mão, esmurrugando alguns torrões, e sem parar de olhar pros espelhos, fechou um baseado.
Virou prá mim e perguntou:
-- Aí, vai?
Eu disse que não e ele foi um bom trecho fumando o bagulho e costurando entre os demais carros na pista.
Quando chegamos perto da entrada prá Laguna eu falei:
-- É aqui.
E o cara não diminuiu a velocidade,se limitou a dizer:
-- Não. É mais adiante...
Depois de uns três ou quatro quilômetros ele percebeu que de fato tínhamos passado do ponto de parada:
--Meu, viajei era lá mesmo, tu não te importa de voltar a pé...
--Claro que não. --Respondi.
De fato encarar outra pernada no sol era melhor que me arriscar com aquele maluco.
Andei,andei e logo depois chegava na entrada prá Laguna. Eu sabia que não iria dar prá encarar a pé até o centro da cidade. Então comecei a pedir acarona de novo. Logo adiante encontrei uma blitz policial. Pensei rápido e vi que poderia tirar algum procveito da situação. Um dos carros que estavam parados era um Fiat Prêmio, praticamente zerado, (não vamos nos esquecer que lá se vão alguns anos), e que nem emplacado estava ainda.
Vi que o policial olhava os documentos do carro e fazia perguntas pro motorista. O cara dava explicações e parecia estar preocupado. Eu cheguei,pedi licença ao policial e perguntei pro cara:
-- O senhor me consegue uma carona?
O cara não sabia o que responder,pois estava na dúvida se o policial iria o liberar logo.
Então prá minha surpresa, o policial perguntou:
-- Tu vai levar ele?
E o cara:
-- Vou.
Então eu já fui abrindo a porta, colocando as minhas coisas no banco de trás e me instalando no banco da frente.
Assim que eu me instalei o policial devolveu os papéis pro cara e disse prá ele seguir. Fechou todas. Prá mim pela carona e pro cara do Fiat parece que também pois já tava todo suado e logo depois de arrancar deu um profundo suspiro.
Cheguei na centro. Depois de algumas caminhadas encontreium outro maluco que eu tinha conhecido nas andanças que costumávamos fazer no bairro Bom Fim em Porto Alegre. Se não me falha a memória o nome dele era Luiz. Apesar dele viajar prá caramba era muito boa gente. Me ofereceu até a barraca dele prá dormir, convite que eu recusei porque provavelmente o Divino e o Marcão trariam uma barraca onde ficaríamos.
Acho que foi depois de algumas horas que encontrei os dois caminhando por Laguna. Qual foi a nossa surpresa ao percebermos que nenhum de nós três tínhamos trazido barraca. Na verdade os dois tinham já passado uma noite ali dormindo ao relento num camping gratuíto.
O Marcão conta que quando acordaram de manhã apenas enrolados num cobertor e, diante da surpresa das pessoas das outras barracas em volta, o Divino teria dito:
--Acorda,Marcão, roubaram a nossa barraca!
Deram uma disfarçada e se evadiram do local.


CARNAVAL EM LAGUNA (parte 2)
Logo chegou a noite e o problema de ter onde dormir aumentou de proporção. Principalmente no meu caso pois o cansaço da viagem tinha me deixado pregado. Prá piorar a situação, não encontrei mais o maluco que tinha oferecido a barraca.
Depois de algumas horas vagando pelos bares de Laguna, e de alguns litros de cerveja, decidimos dormir nas dunas da beira da praia mesmo.
Deitamos na areia os três um do lado do outro. Olhei pro Divino e vi que ele ajeitou até um travesseiro feito de areia, e logo adormeceu com as duas mãos unidas enterradas sob 'travesseiro' ecológico.O semblante era de quem estava no conforto da própria cama de casa.
De tão cansado peguei no sono logo e acordei um pouco depois quando uns pingos de chuva começaram a pipocar no meu rosto. Não acreditei...
Começou a cair uns pingos grossos que nos forçou a bater em retirada do hotel relento.
Chegamos num bar e prá conseguir ficar numa mesa, pedimos mais uma cerveja. Enquanto a tomávamos em silêncio, pois o desânimo e o sono tinham tirado a disposição pra qualquer coisa, percebi que algumas pessoas olhavam pra nós, cochichavam entre si e riam.
Comecei a me encabritar. Do que esse pessoal está achando graça? Olhei pra cada um de nós tentando identificar alguma coisa errada e nada.
Foi aí que o Divino se virou pra pedir outra cerveja e eu vi que a orelha dele estava tapada de areia. O cabelo todo dele naquele lado da cabeça na verdade tinha areia, parecia um beduíno recém chegado do saara. Mas o que chamava a atenção mesmo à distância era a orelha completamente cheia de areia.
Avisei o Divino tentando ser o mais discreto possível, se é que aquela situação vexatória permitisse alguma discrição. Ele se inclinou um pouco e bateu com a palma da mão no lado oposto da cabeça fazendo o tampão de areia se despreender da orelha e se acumular sobre a mesa. O montinho de areia que se formou entre os copos foi a gota d’água pra que começássemos a rir convulsivamente...


Nessa parte 3 do Carnaval em Laguna, tenho primeiro que dizer que parece que encontraram o Divino e ele tá trabalhando numa loja de brinquedos no Rua da Praia Shoping, qualquer hora vou ver se encontro a figura.
Tenho que também fazer um flashback e contar a versão que o Marcão (Marcos Wallauer) me enviou para alguns detalhes que eu já havia contado:
"Isso aconteceu foi em meados de 82 ou 83.Lembro de combinarmos de ir pra Laguna no Carnaval, eu, o Daniel, Divino, Jorginho? (acho q tinha mais gente), lembro também de inventarmos isso num xis na Júlio de Castilhos em Niterói (Canoas RS).
Bom, Eu (Marcão) e o Divino fomos pra freeway pedir carona, pois não tínhamos grana pro ônibus (alias tinha é que sobrar grana prás festas). Alguém ficou de levar a barraca (acho q foi o Jorginho). O Divino levou a panela e um liquinho."
Pausa. Como falei antes, isso explica o porquê das noites ao relento: ninguém levou barraca.
"A primeira carona foi com um velhinho numa kombi cheia de cachorro e galinha, ele tava com o filho pequeno, nos amontoamos junto com os bichos e fomos saboreando um cantil de cachaça com butiá que o Divino tinha preparado. O véio da kombi perguntou o que a gente tava tomando e demos o cantil pra ele, o qual voltou quase vazio."
A kombi nos largou na entrada de Osório pra Tramandai, desci da kombi já esticando a mão, parou uma marajó. O Divino tava ainda se amarrando conversando com o véio da kombi. Era uma mulher. Tinha mais um louco pedindo carona e ofereci pra ele (coisa de parceria de caroneiro). Fomos, eu, o Divino e esse cara.
Saltamos na entrada de Laguna, o cara e a mulher seguiram viagem.
Entramos num boteco de beira de estrada aonde começamos a "fabricar a turbina" que ia nos acompanhar o carnaval inteiro, era uma mistura de Martini, com Fanta e vodka. Colocamos numa garrafa de água mineral e fomos bicando.
Depois voltamos prá estrada prá pedir carona, desta vez tava mais difícil e ainda faltava uns 12 km ate Laguna. Já era noite quando espichei o braço e o veículo parou... era um ônibus. Seguimos até Laguna. (pagando passagem claro)."
Segue a descrição do Marcão:
"Chegando em Laguna o fervo era grande, ruas cheias de gente, lembro que passei numa rua e veio uma louca e me lascou um beijo na boca. Fomos andando prá ver se achávamos alguém ou um camping. Acabamos parando debaixo de uma parada de ônibus encostado de um rio. Era noite e resolvemos dormir ali na parada mesmo. Foi quando veio um barco e descarregou um monte de gente, o Divino perguntou pra onde ia, o cara do barco disse que ia pra ilha, perguntamos se tinha onde acampar lá, o cara falou que sim, lá fomos nós.
Chegando lá, devido a quantidade de sangue na corrente alcóolica, capotamos na grama se tapando com um lençol.
A manhã chegou e tava cheio de barulho, meti a cara pra fora do lençol e foi aquilo: A gente tava no meio de um monte de barraca com gente pra tudo que é lado.
Ouvi uns comentários de gente nos chamando de doido, sei lá, dei umas cotoveladas no Divino e disse que tava cheio de gente nos olhando, o louco murmurou algo e continuou dormindo. Continuei o acotovelando. Aí ele bota a cara pra fora, olha pros lados e berra:
Roubaram nossa barraca", bah eu não queria mais nada, rolava de rir."
Essa parte eu já tinha contado...hehe
"Seguindo a fubanga voltamos pra cidade e fomos num supermercado preparar algo pro rango e mais matéria prima pra nossa bomba caseira.
Quando estávamos saindo, pára um ônibus bem na frente e desce um cabeludo com mochila nas costas e uma viola, era o Daniel...."
Pois eu (Daniel) já tinha até me esquecido que depois da carona eu tinha pego ainda mais um ônibus.
------------

No dia seguinte ao episódio do Divino com a orelha cheia de areia no bar (veja parte 2) reencontrei o maluco que se dispôs a emprestar a barraca dele.
Falei com o cara, ele topou empresta-la. Fomos até lá e deu um certo desânimo ao ver que a era daquelas pequenas, prá duas pessoas. Ele concordou que revezássemos o seu uso prá dormir.
Depois de tudo acertado, convidamos o cara prá dar uma volta pela cidade. Ele concordou mas disse que antes tinha que fazer um rango.
Ele revirou algumas coisas, pegou um saco de papel,. tirou um pedaço de pão já mordido e deu umas batidas prá derrubar as formigas que compartilhavam com ele da mesma refeição. Depois começou a dar mordidas e a mastigar rapidamente. Guardou o pão novamente no saco prá próxima refeição do dia.
Falamos prá ele que tínhamos trazido fogareiro e comida e que ele poderia comer com a gente enquanto estivéssemos ali.
Aí o cara me saiu com essa pérola:
-- Bah, rango de panela faz uma semana que eu não como...
Os olhos da figura brilharam diante da possibilidade de comer finalmente alguma comida de verdade. As formigas é que devem ter ficado tristes por ter perdido o parceiro de pão.
Não sei como é o Carnaval de Laguna atualmente, mas nos anos 80, era realmente muito freqüentada sobretudo por canoenses. Era bastante comum encontrar amigos e conhecidos nas ruas naquele tempo, quem era de Canoas como nós se sentia em casa. Fora isso, nossa cara-de-pau era tamanha que fazíamos amizades por todo canto.
Teve dias que choveu bem na hora de cozinhar, aí o jeito foi pedir prá uma família da barraca ao lado para que nos emprestasse a área prá cozinharmos.
--Divino, conseguimos um lugar prá cozinhar, vamos nessa.
Ele pegou os apetrechos e foi conosco até lá. Montou o fogareiro e começou a pedir alguns ingredientes emprestados prá dona da barraca:
-- A senhora teria um pouco de azeite prá me emprestar?
-- Sal?
-- Um pedaço de cebola?
Não que ele estivesse abusando da boa vontade daquele pessoal, é que se não fosse assim o rango não iria sair mesmo...
Acho que foi nessa mesma noite que estávamos dormindo e de repente sentimos alguém se amontoar por cima. O dono da barraca chegou na madruga prá lá de Marrakesch, e se jogou prá dentro esquecendo completamente que estávamos lá. O jeito foi alguém sair prá fora e dormir o resto da noite na grama ao ar livre



----


Carnaval em Laguna - Final

Na verdade, do carnaval em si, da folia nas ruas, nem me lembro direito. Principalmente porque à noite o álcool inundava de tal forma nossos neurônios que sobram apenas flashes de memória dos acontecimentos.
Falando em porre, quem tomou todas mesmo numa daquelas noites foi o João (Betial). Encontramos ele num banheiro público com um rolo de papel higiênico na mão. Depois de algumas horas bebendo e nos divertindo no carnaval de rua vi que o João tinha passado da conta. De uma hora prá outra ele começou a girar no meio da multidão completamente fora de si.
Ele primeiro corria prá trás com a cabeça inclinada prá cima, descrevendo espirais que iam aumentando de diâmetro a medida que ia abrindo uma clareira no meio do povo. A partir de um certo ponto não era mais possível dizer se ele estava acelerando voluntariamente, ou se estava era tentando recuperar o equilíbrio. O fato é que já não se podia fazer mais nada prá ajudá-lo, estava entregue às leis da física.
Um paralelepípedo um pouquinho mais alto na rua pôs fim a agonia fazendo-o se estatelar no chão. Felizmente não se machucou muito, ou pelo menos nem sentiu. Espanou os confetes da roupa e recomeçou a beber.
Lembro que o Jorginho nos encontrou numa noite daquelas e nos aconselhou a irmos embora. O Marcão tinha pegado muito sol, tava num vermelhão de dar dó. Na época filtro solar não era prioridade. Na verdade nem sei se já existia...
A coisa estava braba mesmo. O cansaço das noites mal dormidas naquela barraca prá cachorro, o repetitivo arroz do Divino na improvisada cozinha nas pedras, as caminhadas intermináveis de um lado pro outro, além do trago todo que tomávamos esgotou-nos de um jeito que precipitou a volta prá casa.

Decidimos ir embora. Gastamos o dinheiro que sobrou num almoço substancial, que segundo o Marcão tinha até camarão.
Devido ao grande número de pessoas na cidade só conseguimos passagens para viajar de pé no corredor do ônibus e assim mesmo só até Tubarão.
Sabíamos que iria ser dureza enfrentar algumas horas de pé. Então compramos uma pinga, que se bem me lembro era uma daquelas caipirinhas prontas, de garrafa.
Por sorte logo de saída sobrou um lugar bem na frente e combinamos que revezaríamos prá que todos pudessem descansar.
Enquanto conversávamos de pé no corredor do ônibus íamos enchendo um copo plástico e tomando a bebida. De vez em quando o coletivo passava por um buraco ou mesma fazia alguma manobra brusca e o líquido precioso derramava do copo. Havia um casal de gordinhos sentados em poltronas diretamente expostos à chuva de caipirinha. O gordinho começou a se impacientar e a reclamar. Não sei se por temer alguma confusão ou se ainda existia um restinho de compostura, mas fizemos um esforço e demos uma segurada no trago.
De repente o Divino fala:

--Olha só o motora vai podar três caminhões.

Até achei que ele tava viajando, mas logo vi que era verdade. Os demais passageiros olharam todos prá ver o que estava acontecendo.
Foi aí que, já estando quase vencendo o último caminhão daquela ultrapassagem, surgiu um homem no meio da pista.
Não dava prá frear bruscamente colocando em risco todos os passageiros. O motorista deu uma segurada e pegou o cara de cheio.
O ônibus parou. Todo mundo em choque, só nós que não. Amortecidos pela caipirinha, fomos os primeiros a descer. Juntamos o homem agonizante e colocamos num carro para que o levasse ao hospital.
Alguns minutos depois chegava a polícia rodoviária dizendo que ele tinha morrido e que o ônibus deveria ficar ali mesmo prá perícia. Pronto, nos ferramos. Tivemos que ficar ali por várias horas esperando a chegada de um outro ônibus prá seguir viagem.
O Divino, prá variar, soltava piadinhas o tempo todo:
--Bah, motora tu é Pele Vermelha, tirou o escalpo do cara. – Falou apontando para um buraco com restos de cabelo na frente do ônibus.
Depois dessa tirada de humor negro fora de hora, ele passou a contar como tinha sido nosso carnaval em Laguna. Divertiu o pessoal. Sobretudo quando contou que o arroz que ele fazia era tão grudendo que o cara ficava com dificuldade de pular carnaval à noite nas ruas.
--Ficamos com as cadeiras duras... – Dizia prá gargalhada geral.
Finalmente depois de longa espera retomamos viagem num outro ônibus ainda menor que o primeiro, e terminamos dormindo no corredor uns encostados nos outros. Em Tubarão, baldeação e toca prá Porto Alegre numa indiada que parecia não ter fim. Finalmente chegamos em casa e dormimos uns três dias seguidos prá se recuperar do cansaço.
Apesar de tudo esse carnaval em Laguna foi mais um daqueles momentos mágicos que vão ficar guardados em nossas memórias pelo resto de nossas vidas.

Um passeio em Garopaba com os amigos Marcelo e Carlinhos



EU,MARCELO E CARLINHOS EM GAROPABA
Na foto acima estão eu (Daniel) e Marcelo Gonçalves em Garopaba, lá nos idos dos anos 80. Esta viagem foi sensacional e rendeu muitas histórias que são frequentemente lembradas quando a gente se reúne.
Fomos eu, Marcelo e o Carlinhos (irmão do Jorge ET "Rato Wakeman"). O Carlinhos tinha uma namorada em Araçatuba (em Santa Catarina próximo de Garopaba) que tinha arrumado quando acompanhou a banda Antares que foi tocar o Carnaval lá. É bom que se diga que era um namoro ainda bem no início que ainda não lhe conferia muita proximidade com a família da moça. Faço questão de citar estes detalhes porque os acontecimentos que se seguiram naquela nossa estada por aquelas bandas, incluindo as frequentes jantas e cafés da manhã que nós três filávamos na casa dela é no mínimo uma tremenda cara-de-pau.
Já na saída da rodoviária de Porto Alegre começaram os motivos pra gozação. As poltronas foram compradas separadas. A fome que começou a fazer a minha barriga roncar  me causou um certo constrangimento.
O Marcelo numa poltrona do corredor, sentou do lado de uma senhora com uma criança que apesar de já meio grandinha, viajava no colo da mãe. Pois a dita cuja passou uma boa parte da viagem comendo chocolate e passando as mãos melosas na manga da camiseta do nosso amigo. A uma certa altura da viagem ela teve uma dor de barriga e passou a pedir licença a cada dez minutos ao Marcelo pra ir ao banheiro. Além inconveniente que estava causando a ele, o cheiro nada agradável que emanava toda vez que ela abria a porta do sanitário fazia os demais passageiros trancar a respiração por alguns segundos.
O Carlinhos estava do lado de uma outra senhora que de vez em quando cismava em viajar de pé, talvez pra aliviar alguma dor nas pernas e ficava no corredor apoiada no encosto da poltrona dele. Eu lá de trás me divertia vendo ele se inclinando no sentido oposto da mulher cada vez que ela cochilava de pé numa tentativa discreta de ‘desencostar’ dela...
Já era noite avançada, quando num trecho bastante escuro da BR 101 o Carlinhos nos acordou:
--Vamo lá que tâmo chegando...
Olhei pela janela e só via os vultos das árvores e um nevoeiro danado que não animava muito querer descer do ônibus.
Mas pegamos nossas coisas e seguimos o parceiro até a cabine do motorista. Ela falou alguma coisa pro cara e logo o ônibus parou.
Descemos os três naquele local ermo que, se já estava escuro, quando ônibus se afastou então... Tivemos que esperar alguns segundos até que a visão se acostumasse e o Carlinhos finalmente identificasse um caminho entre as árvores que levaria até o vilarejo.
-- Puta que pariu, mas isso aqui tá bem assustador.
Falei algo parecido com isso e comecei a falar da semelhança daquele momento com a cena do início do filme "Um Lobisomem Americano em Londres" que havia pouco tempo eu tinha assistido. Pra quem não se lembra, no filme dois estudantes americanos andam em meio ao nevoeiro num vilarejo no interior da Inglaterra. Dali a pouco um lobisomem os ataca.
A minha insistência em tentar assustá-los assumiu um caráter mais cômico do que macabro e passamos a nos divertir e rir muito da situação. Especialmente quando começamos a nos aproximar de alguns botecos e os moradores dali olhavam todos prá nós como se fôssemos uma aparição saindo do nevoeiro naquele caminho entre as árvores.
Chegamos na casa de um conhecido do Carlinhos que concordou em nos ceder o terreno para armarmos a nossa pequena barraca. O Carlinhos ficaria hospedado na casa da namorada, se não me engano.
No dia seguinte àquela primeira noite de sono mal dormido, o Marcelo descobriu que tinha uma pedra embaixo da barraca bem do meu lado de dormir, o que justificava eu ter passado a noite tentando me alinhar sem conseguir. E como ele tirou sarro da minha cara por causa disso... até hoje ele conta esta parte da história acrescentando que eu supostamente teria dito a ele que eu suspeitava estar com alguma problema na coluna, quando o que estava desalinhado era o próprio chão.
Mas a minha oportunidade de retribuir a gozação chegou logo. Num dia pela manhã olhei pela janela da casa do cara que nos havia cedido o terreno e vi a empregada da casa, uma menina negra, chupando a lata de leite condensado que o Marcelo tinha deixado na geladeira deles para não estragar.
Ou seja,a neguinha dava umas 'bicotas' no leite Moça e o Marcelo todo dia passava um pouco no pão...


A distância da praia propriamente dita era de mais ou menos uns 18 Km e era ruim transpô-la a pé, numa época que nem cogitávamos em comprar um filtro solar. A grana escassa que tínhamos mal deu prá sobreviver naqueles dias que lá ficamos. Cada dia que passava e nossa provisão de alimentos escasseava, mais ousados ficávamos no que se refere a ‘filar um rango’ na casa da namorada do Carlinhos.
Lembro da primeira noite que sentamos à mesa com a família toda prá jantar.
A cena era meio surrealista, pois todos ficaram praticamente em silêncio nos observando. O Carlinhos dê-lhe a contar histórias numa tentativa de quebrar o gelo daquela situação.
Num canto da sala havia uma TV preto e branco antiga ligada na novela. Essa TV era simplesmente uma 'viagem', era daquelas que foram usadas antigamente e que já vinham de fábrica com um vidro em três cores que se sobrepunha ao tubo de imagem. Ou seja,era uma TV 'a cores' num certo sentido, embora as cores permanecessem estáticas em três faixas horizontais que cobriam todo a tela.
O Carlinhos volta e meia perdia a compostura e pegava salada da travessa direto com as mãos, sem usar talheres. E eu e o Marcelo ali, nos contendo e nos esforçando muito prá não cair na gargalhada.
Quando digo que nossas provisões eram poucas, estou falando sério. Lembro que as bolachas que havíamos levado foram quase todas consumidas na demorada viagem de ônibus de Porto Alegre até lá. Sobrou uma lata de salsicha,uma lata de goiabada e uma lata de pêssego em calda. Alguém pode estar se perguntando,porque levar pêssego em calda e goiabada? Era o que tinha sobrando no armário de casa. E quando não se tem muita grana, qualquer coisa comestível vira dinheiro. Arroz, batata, essas coisas, nem cogitávamos levar porque não só não tínhamos qualquer espécie de fogão como também não sabíamos cozinhar.
Lembro que num dos últimos dias dessa estadia em Santa Catarina comemos goiabada com salsicha e pra descer tomamos a calda do pêssego misturada com água. Essa improvável combinação culinária demonstra a criativa capacidade adaptativa do homem em situações de privação.
Por falar em passar necessidade quero lembrar que foi nessa nossa viagem que apelidamos o nosso amigo César Fraga (Cesinha da banda Big Zen Voodoo) de ‘Tubarão’. Isso porque encontramos ele na praia catando alguns peixes doados pelos pescadores numa tentativa de garantir a refeição diária. Pois no momento que nós o encontramos ele tava com um filhote de tubarão martelo na mão. Foi muito cômico. Batemos até uma foto que quando eu achar eu coloco aqui.
A ida para praia, portanto, não era muito fácil. Primeiro pela distância já citada entre a tal de Araçatuba, onde ficava nossa barraca e Garopaba. Segundo porque ônibus que cobrisse aquele trajeto era apenas um ou dois por dia.
Um dia de tanto caminharmos no sol nos deslocando pra praia, o Marcelo ficou com o pé muito queimado que passou a inchar e incomodá-lo até a hora de voltarmos pra Canoas. Noutro dia voltando também a pé, um touro se 'encarnou' em mim. Ficou me fitando e se aproximando com um olhar amedrontador. Suspeitei que era por causa do desenho de um sol vermelho enorme na minha camiseta. Tive que apressar o passo e até correr um pouco prá sair da linha de alcance do bicho.
Diante disso a alternativa era pegar carona. Certo dia pegamos carona num caminhão que estava transportando um barco. Como não tinha lugar na cabine fomos na carroceria,um de cada lado do barco.
Os caras resolveram nos sacanear e passavam acelerados pelos buracos da estrada e davam risada na cabine olhando pelo retrovisor e vendo nós dois passando mal lá atrás. É que o barco de vez em quando se deslocava para um ou outro lado e quase nos derrubava do caminhão.
Ao chegarmos na praia eles queriam que ajudássemos a descarregar o barco. Saímos fora e não demos nem conversa pra eles.
Acho que foi neste mesmo dia que,depois de alguns mergulhos no mar, ao sairmos da água percebermos que a camiseta do Pink Floyd nova do Marcelo tinha desaparecido da areia. Procuramos ali por perto e nada de encontrar. Certamente alguém tinha roubado. O desaparecimento da camiseta configurou-se um problema sério porque havia uma placa no ponto de ônibus que alertava dizendo que sem camisa não era possível viajar no coletivo.
Já estávamos admitindo a hipótese de ter que encarar a pé o trajeto de volta quando encontramos uns caras jogando futebol na beira da praia. Suspeitamos daquele pano branco que servia como uma das traves. Dito e feito: Era mesmo a camiseta do Marcelo. Pegamos a dita cuja que já não tinha mais o aspecto de uma camiseta nova. Na verdade estava toda molhada, cheia de areia e bem esticada. Provavelmente alguém a tinha torcido ou algo parecido. O nosso amigo teve que a usar naquele estado mesmo.Era o único jeito de voltar de ônibus. Mas que ficou esquisito ficou. A camiseta branca encardida, cheia de areia e com a gola enorme caída prá um dos lados deram uma aparência deprimente ao Marcelo. Em solidariedade eu e o Carlinhos poupamos ele das gozações, por digamos uns 10 minutos...



Depois de alguns dias naquela pindaíba, sem dinheiro nem pro rango básico, partimos pro desespero: tomar inclusive café da manhã na casa da namorada do Carlinhos. Até prá nossa tremenda cara-de-pau aquilo foi o limite. Em seguida o Marcelo resolveu semandar de volta prá casa.
Minha memória me trai e já nem me lembro como eu e o Carlinhos fomos embora também. Só lembro que na viagem de volta tínhamos comprado dois pãezinhos que comemos a seco prque a grana tinha definitivamente acabado.
Apesar de todos os contratempos, esta viagem foi um dos momentos que considero mais mágicos de minha juventude do qual me recordo frequentemente e me orgulho de ter vivido.



Histórias da Turma - Kíki e a capotagem do Fusca

Eu à esquerda (Daniel Oliveira) e Paulo Henrique (Kíki) , na direita. Em uma festa de aniversário, anos 80.



Kíki, talvez seja o personagem do qual mais histórias se tenha prá contar. Onde ele está, alguma coisa inusitada ou está para acontecer, ou já está acontecendo e ainda não se percebeu.
Certa vez ele havia brigado com a namorada. Pegou o fusca azul celeste de seu pai e foi encher a cara com outro amigo nosso. Tomaram todo o estoque de vinho de um bar no centro. Resolveram voltar para casa e, prá variar o Kíki pisava cada vez mais no acelerador.
Joní gostava também de velocidade, seus assuntos preferidos eram carros e equipamentos de som. Talvez fosse por isso que ele, apesar de estar com medo, não pediu para o Kíki diminuir a velocidade do carro, digo fusca. Limitava-se a segurar-se cada vez mais forte no chamado "puta-merda". Chegou ao ponto de colocar as duas mãos sobre a referida alça no painel, mas não dizia nada. Kíki, pelo contrário, balbuciava algumas frases desconexas, algumas delas se referindo à sua namorada:


– Aquela desgraçada...Eu não vou querer saber mais dela... Mas eu gosto dela...


Essa última frase ele repetia mais constantemente, e em tom cada vez mais dramático. Joní não falaria definitivamente nada em relação à maneira como Kíki estava dirigindo. Não queria passar por medroso, logo ele que vivia falando em correr de carro.
Dobravam as esquinas cantando pneu até que tomaram a BR. Aí o pé no acelerador pesou...Subiram o viaduto que faz um "S" e, exatamente no meio da descida, o Kíki lascou:
– Joní, sente só o que eu vou fazer...
Ao proferir essa enigmática sentença (que quase foi de morte), ele puxou o freio de mão e torceu a direção pro lado, como se estivesse tentando dar um cavalo-de-pau. A perigosa manobra, naquelas condições, era mais uma irresponsabilidade do que uma tentativa de suicídio. Acho que ele não queria se matar. Ele sempre foi assim mesmo. Quando bebia fazia as maiores proezas com os carros que invariavelmente paravam na oficina.
O fusca trancou as rodas no asfalto, capotou uma vez no ar e mais algumas vezes no chão. Quando ele parou emborcado com as rodas prá cima, o Joní ainda de ponta-cabeça completou:
– Kíki, sente só o que tu fez...


Tiveram muita sorte em não terem sofrido praticamente nada naquele acidente. Algum tempo depois, numa batida contra um poste, um outro amigo que acompanhava o Kíki não teve tanta sorte e quebrou o nariz contra o painel do carro.
Estávamos na janela do clube conversando quando avistamos o fusca azul parar na frente do portão. Kíki estava com a cabeça estranhamente do lado de fora da janela do carro. Parecia que o veículo estava amassado, então descemos e fomos olhar.
Ele estava dirigindo com o teto tão amassado, que era impossível permanecer com a cabeça do lado de dentro. Estava criando coragem ou ganhando tempo para poder formular uma desculpa que justificasse trazer o carro de seu pai para casa daquele jeito. Foi quando seu irmão que estava conosco, lhe perguntou:


-- O que aconteceu?
-- Um cara me fechou, em cima do viaduto e eu quase morri.


Essa seria a desculpa que ele usaria também mais tarde para o seu pai, quando chegasse em casa com o carro naquele estado.

Turma de Amigos - O início no Colégio São Paulo

Na foto:Vládi, Nando, Daison, Rubens (Braminha), Arlei (Boca)


TURMA - O INÍCIO (1)
Quando paro para tentar lembrar, qual foi o acontecimento que marcou o início de nossa turma de amigos, me encho de dúvidas. Cada um de nós talvez tenha uma versão ou evento diferente para apontar como o ponto de partida, a partir do qual foram sendo agregadas mais e mais amizades nesses já quase 30 anos.
Me orgulho de ter compartilhado com os demais todas essas experiências. De tempos em tempos, confesso, remeto-me mentalmente àqueles tempos de final de ginásio, e, ao lembrar das situações que vivemos, sempre um leve sorriso se insinua em meu rosto. Sempre uma saudade boa passeia de mansinho em minha mente, trazendo um pouco da magia daqueles tempos de colégio, festas e descobertas. A medida que envelheço, percebo que nem todas as pessoas tiveram experiências equivalentes e que talvez sejamos realmente privilegiados por essa amizade tão duradoura.
Não pretendo estabelecer uma sequência muito cronológica ao contar essas lembranças da nossa turma. Isso porque acho mais interessante contá-las, à medida que eu for me lembrando ou sendo lembrado por alguns amigos que as viveram também. Outro motivo é que algumas situações, ainda que separadas por um intervalo de tempo, estão bastante relacionadas entre si.
Ao iniciar essa narrativa tenho que, inevitavelmente, começar por mim. Mesmo porque, os acontecimentos que se sucederam, serão contados aqui sob a minha ótica. Muitos deles, não foram por mim presenciados, mas estão relatados aqui conforme pude apurar nos depoimentos de quem deles participou. Alguns relatos são resultado de uma compilação de versões diferentes, procurando estreitar ao máximo a distância entre o relato e o fato. Acho essa referência necessária, aqui logo no início, porque algumas histórias são um pouco difíceis de se acreditar.
Acho que tudo começou no colégio São Paulo, em meados de 1980, no auge da discoteca. Éramos roqueiros, os outros eram cocotões (leia-se, hoje, caretas). Aos poucos, íamos acrescentando em nosso vocabulário, inúmeros rótulos para definir os outros jovens que não se encaixavam em nossos padrões(que nada mais eram do que as nossas preferências musicais).Nós os chamavamos de punks, cdf´s, "lóquis" e outros tantos adjetivos esquisitos que iam surgindo.
Ao voltar mentalmente ao passado, tentando identificar um início, lembro-me do Vládi, do Mauro, do Paulinho, do Zé Bolt e do Rubens. O Vládi e o Zé estudaram comigo na 5ª série e em algumas outras. O Mauro era irmão do Vládi e o Paulinho eu conheci, através deles, nas festinhas de final de semana. Com o Rubens acho que eu não estudei, mas o conheci no colégio também. Uma das coisas, que certamente aprendi com esses caras, foi a gostar de jogar basquete. Eles tinham essa preferência, enquanto que a grande maioria, inclusive eu, jogavam futebol.

TURMA - O INÍCIO (2)

Nos horários de intervalo, na chamada hora do recreio, as garotas se aglomeravam em torno da quadra de basquete. Até hoje eu não sei se era porque gostavam mais de basquete , ou se era porque em torno da quadra de basquete era o melhor lugar para se sentar e bater um papo. A quadra de basquete ficava mais baixa em relação ao resto do pátio e o desnível que existia funcionava como um enorme banco de concreto, onde as garotas sentavam para saborear seus lanches, conversar e assistir aos jogos.
Apesar de ter tentado, nunca consegui jogar basquete bem. Porém, ao me aproximar daquele grupo do qual alguns eu já conhecia, eu fui descobrindo que tínhamos muitas preferências em comum. Usávamos as mesmas marcas de roupas, curtíamos o mesmo tipo de música, etc. Constituíamos um grupo mais ou menos homogêneo, que se tornava cada vez mais numeroso à medida que o tempo passava.
O conhecimento de rock, com direito a biografia e discografia das bandas, era o principal pré-requisito para fazer parte da turma. A imagem dos discos que levávamos prá lá e prá cá junto aos livros, permanece ainda muito viva em mim. Na nossa relação com as garotas, os discos eram apenas um pretexto. Emprestávamos e tomávamos emprestados, mais com a intenção de estabelecer um vínculo com algumas delas do que meramente apreciar as novidades musicais.– Já escutou aquele que eu te emprestei? Vai me emprestar o disco aquele, então? Eram frases, freqüentemente usadas por nós, para iniciar uma abordagem. E funcionava, pois entre nossas amizades femininas estava o que de melhor o colégio poderia oferecer.
Não sei se éramos bonitos, me inclino a achar que éramos mesmo diferentes. Isso era perceptível na comparação com os outros rapazes. Enquanto eles aceitavam as imposições do 'poder' (representado pela direção da escola e alguns professores), nós discutíamos nossos direitos, fazendo-os muitas vezes ceder:

– Rapaz, se tu vier na segunda-feira com esse cabelo comprido, eu vou te mandar de volta prá casa! Disse o coordenador de turmas, ao encontrar um colega nosso no corredor, no final do intervalo.

Convém salientar que o posto de coordenador era o segundo em grau de autoridade no colégio, só ficava abaixo da irmã diretora. Laerte era um senhor de uns quarenta e poucos anos, que apesar de não ser alto, olhava todo mundo como se estivesse de cima, inclinando levemente a cabeça prá trás. Era o representante mais temido do colégio, porém seu ar de ditador por vezes perdia a gravidade. Isso acontecia principalmente quando ele se metia a jogar vôlei com algum alunos e alguns fios de cabelo desciam do topo da cabeça, ficando dependurados ao lado do rosto. A careca reluzia no sol e o pessoal todo procurava esconder o riso. Há que se dizer que depois de alguns anos de convívio no colégio passei a admirá-lo pelo excelente professor de matemática que ele era e a compreender que ele estava apenas desempenhando o papel disciplinador que seu emprego lhe exigia e que no fundo era boa pessoa.

TURMA - O INICIO (3)

– Hã?
– Eu disse que se tu vier na segunda-feira com esse cabelo comprido, eu vou te mandar de volta prá casa! Repetiu Laerte com menos paciência ainda.
– Mas Jesus não usava cabelos compridos também? Retrucou Cebola prontamente.
André, conhecido como Cebola não sei porque, não era o que se pode chamar de aluno disciplinado. Pelo contrário já havia aprontado muitas e o coordenador já estava com ele na mira. Ele tinha os cabelos muito compridos, ao meio das costas. Para completar, ele sempre pedia para as pessoas repetirem o que falavam com um "hã?". Não sei se era muito disperso ou se era surdo mesmo. O caso é que isso ás vezes impacientava quem quer que estivesse tentando conversar com ele. Junto com André Cebola, andava Laércio, um cara meio quieto, tímido até, mas que seguia à risca os passos do cabeludo.
– Mas, olha só... Querendo se comparar a Jesus... Não tem vergonha? Disse o coordenador, em tom de deboche.
– Muito pelo contrário– respondeu Cebola – quanto mais eu ficar parecido com ele , muito melhor será prá mim, não acha?
A pergunta era difícil para o coordenador responder. Se dissesse que não, ele poderia ter que dar explicações para as freiras ou para os pais dos alunos, tendo em vista que era um colégio religioso. Se, em contrapartida, respondesse que não, admitiria ter perdido a parada pro cabeludo. Ele preferiu não falar mais nada, fez de conta que não era com ele e se foi.
Na verdade Laerte fez um recuo estratégico sem contudo perdoar o rapaz. Algum tempo depois , aproveitando algumas besteiras que o cabeludo aprontou, expulsou ele e seu companheiro Laércio. Tal providência foi bastante comentada no colégio todo, aumentando ainda mais o temor em torno do nome do coordenador.
Uma das coisas com que as freiras mais implicavam era com relação ao uniforme. Camiseta de malha personalizada, azul celeste, e calça de tergal azul-marinho para os rapazes. Às meninas era permitido também a saia azul marinho, não muito curta. De um ano para o outro haviam variações, mas elas orientavam a portaria que adotassem um certo rigor quanto ao traje com que os alunos ingressavam no colégio.
Aquele dia "Seu" Silveira estava no portão, fiscalizando a entrada, como de costume. Geralmente entrávamos pelo portão meio escondidos porque, não era raro, estarmos com o uniforme irregular.

– Não pode entrar de calça Lee! Disse Silveira vindo em nossa direção .
Xii...Algum de nós tinha sido pego, foi o pensamento geral. Olhávamos apreensivos sem contudo deixar de tentar nos esconder, cobrindo a visão do porteiro com os demais alunos que entravam.
Silveira, segurou Nando pelo braço com relativa força, mostrando que o nosso colega, de fato, não iria poder entrar.

A expressão "Calças Lee", convém explicar aos mais novos, era bastante usada para designar qualquer calças jeans, sobretudo pelas pessoas de mais idade, devido a grande popularidade que haviam tido as calças daquela marca. Apesar disso era difícil agüentar essa generalização. Acho que só aguentávamos porque nos criamos ouvindo nossos pais chamarem calças jeans de " Brim Coringa", o que, convenhamos, era bem pior.
Essa não era a única peça do vestuário apelidada de forma esquisita. Ainda persistiam outras como "guides" para designar tênis, por exemplo.

Não obstante serem também de cor azul-marinho, havia um relativo preconceito das freiras em relação às calças de brim. Não sei se porque elas desbotavam, ou mesmo porque davam um certo ar de rebeldia. O fato é que elas proibiram o uso desse tipo de calças nas dependências do colégio numa certa época.
– Mas essa aqui é Levi’s, seu Silveira. Pode ler aqui...
Nando falou aquilo sem muita convicção de que iria colar. Nós ficamos todos na expectativa da reação do porteiro. Por incrível que pareça o velho soltou o braço dele. Forçou um pouco mais os olhos para ver se enxergava melhor a etiqueta, colocando ao mesmo tempo a mão no queixo, no clássico gesto de quem está cheio de dúvidas.
– Ah, bom. Então pode entrar– consentiu finalmente. E, antes que ele nos dissesse qualquer coisa, fizemos questão de ir entrando pelo portão mostrando as etiquetas das calças:
– A minha é US Top, ó...
– A minha é Wrangler...
Quando eu olhei para trás, antes de entrar na sala de aula, eu pude ver o Silveira na guarita, ainda com a mão no queixo, submerso em dúvidas.

TURMA - O INICIO (4)

Não tardou para surgirem convites para festinhas de aniversário, das quais eu tenho ótimas lembranças. Mais tarde descobriríamos ( como vou contar depois), que convite mesmo não era necessário para festa nenhuma. Bastava ir, dar um jeito de entrar e se manter na festa o máximo de tempo possível, antes de ser colocado prá fora.
A primeira festinha da qual me lembro foi o aniversário da Cátia, estavam todos lá. Rolava ao fundo Queen, Led Zeppelin e flertes prá todos os lados. Lembro nitidamente da música 'All my Love' do led rodando direto no toca-discos de vinil.

As coisas eram de fato assim, alguns eventos transcorriam com relativa normalidade e eram até tediosos para alguns. Eu, por exemplo, não achei lá essas coisas essa primeira festinha. Os pais da garota sugeriram o fim da festa logo cedo, assim que perceberam o grau de empolgação e de álcool da gurizada. Outros, no entanto, adoraram.
Era dessa forma que transcorriam nossas vidas. Diferentes experiências diantes dos mesmos fatos. Uma ocasião chata, enfadonha para alguns, assumia proporção cinematográfica ao ser relembrada por outros.
Nos reuníamos nos intervalos das aulas, no pátio do colégio, para contar nossas histórias. Invariavelmente, percebíamos que, a forma como contávamos, era tão, ou mais importante, que os fatos em si. Nos divertíamos muito ao sabermos de alguns detalhes a mais sobre o que tinha acontecido na festa anterior. Alguns, na verdade, eram mestres na arte de contar.Faziam trejeitos, acrescentavam elementos que, de tão engraçados, eram difíceis de engolir. Percebia-se, também, que, quanto mais ousados fôssemos em determinada situação, maior a admiração que conquistávamos no grupo.

Talvez , em função disso, é que alguns colegas, na intenção de se auto-afirmarem, se excediam tanto nas ações, quanto na ingestão de bebidas. Quando isso acontecia geralmente dávamos boas gargalhadas relembrando os aconteciementos. Os personagens centrais dessas histórias eram, dependendo do que fizeram, ora admirados, ora provocados com todo o tipo de gozação. No fundo eu suspeito que fazer algo extraordinário como tocar o sino da igreja durante a madrugada (fato que realmente ocorreu durante uma festa) era algo que conferia um certo grau de confiança dos demais. E quem protagonizava essas atitudes o fazia não só pela diversão no momento, mas pelas risadas que daria depois ao contar.

A biografia da banda Apocalipse

A banda Apocalipse surgiu mais ou menos entre 81-82. Nesta época Daniel Elói, Alfeu Lisboa, Ângelo Fernando (Nando) e Daison descobriram que no colégio São Paulo (Niterói/Canoas/RS) havia praticamente todos os instrumentos para um grupo musical.
Nesta época Daniel já conhecia algumas poucas músicas no violão, e apesar disso já ousava ‘compor’ suas próprias canções. Nando foi designado para o baixo, Daison para a guitarra base e Alfeu assumiu a bateria.
Daniel fez um acordo com as freiras do colégio que pagaria o ‘empréstimo’ dos instrumentos fazendo alguns trabalhos de desenhos em cartazes religiosos.
Os ensaios iniciais foram no próprio palco do auditório do colégio, onde desde o início já contavam com um certo público de garotas. Nesta época, Daison batizou a banda de ‘Blue Bird’.
Essa formação original durou pouco tempo. Saíram Daison e Nando .
Em seguida Daniel e Alfeu conhecem Belcino Carlos que cantava e tocava violão. Belcino tinha algumas composições próprias que foram, juntos com algumas canções de Daniel, a base do repertório inicial da banda. Entre essas canções estava ‘Dissonância Transitória’, uma das primeiras músicas a ser ensaiadas.
Daniel assume o baixo, Alfeu a bateria, Belcino a guitarra base e os vocais.
Convidam então o amigo André Cebola (que havia pouco fora expulso do mesmo colégio por indisciplina) para acrescentar os solos às músicas. A principal influência era o rock progressivo de bandas como ‘King Crimson’, ‘Yes’, ‘Jethro Tull’, ‘Emerson, Lake and Palmer’ e principalmente ‘Pink Floyd’ além de outras bandas sagradas do rock and roll clássico dos anos setenta como Led Zeppellin, Deep Purple, Rush, Black Sabbath, Eagles, entre outras.
O primeiro show com essa formação aconteceu nos fundos da casa do amigo Gladimir (Gládi ‘Bode’). Foi montado um palco improvisado.
Como Cebola não tinha guitarra, conseguiram uma guitarra Veronese emprestada com um conhecido. Na hora do show Cebola apareceu com uma guitarra Giannini Strato emprestada e a Veronese foi deixada num canto do palco. No meio do show Daniel foi informado que a guitarra tinha sido quebrada no meio do braço. O primeiro grande problema da banda foi conseguiram arrumar grana para consertá-la e devolvê-la ao dono.
Neste show a banda usou pela primeira vez o nome de ‘Apocalipse’. Neste show tocaram canções como ‘Analogia de um Demente’, Apocalipse (instrumental), além de ‘Dissonância Transitória’, que logo virou um hit no cenário cult Canoense.
Um pouco mais tarde entrava na banda o vocalista Tonny di Maggio, que tinha forte influência blueseira, principalmente de Janis Joplin. Tonny participou pouco tempo da banda e dividia com Belcino os vocais nos shows que já começavam a fazer. É dessa época o ‘Blues da Redenção’ e a antológica ‘Joe Banana’. Essa última foi composta em ‘homenagem’ ao pai de uma garota que quis acabar com uma festa em que a banda estava tocando.
Após alguns shows Tonny di Maggio sai da banda, devido principalmente ao distanciamento de seu estilo (Blues) com os demais (rock progressivo).
Na saída de Tonny, Daniel compôs "Quando Você Esteve Aqui".
Neste início a banda carecia muito de equipamento para fazer seus shows. Conhecem então Paulo Barbosa que tinha algum equipamento. Paulo entra na banda para tocar baixo e seu irmão Jorge ‘ET’ (Rato Wakeman) assumiu os teclados. Daniel foi prá guitarra principal. Cebola sai da banda.
Na sequência vieram canções como ‘Observância Interna’, ‘Incógnitas’ de Daniel, ‘Espuma Azul’, ‘Dilacerar’, de Belcino, ‘Olhos Vermelhos’ composta inicialmente em inglês por Belcino e Daniel e num ritmo bem mais agressivo do que a versão final conhecida.
Após alguns shows a banda chega ao seu ápice com os shows das amostras culturais do parque Getúlio Vargas em Canoas, conhecido como Capão do Corvo. Num desses shows foram reunidas milhares de pessoas numa multidão jamais vista em shows musicais em Canoas.
Desde o início a banda assumiu uma postura social crítica, seja reivindicando, por exemplo que a antiga estação férrea de Canoas fosse convertida em Casa de Cultura, seja participando de shows de conscientização ecológica.
Seguiram-se grandes shows no Colégio Cristo Redentor, no Colégio São Paulo, Clube Fragata, Centro Comunitário de Guaíba entre outros.
O último show oficial foi na casa de cultura de Sapucaia do Sul, quando devido a incompatibilidades entre alguns componentes a banda resolveu para por um tempo permanecendo assim até hoje.
Daniel Elói participa mais tarde da banda Habeas Almas com Jorginho da garibaldi nos vocais e Alfeu Lisboa na bateria, Marcelo Santos (guitarra) e Roberto SantaMaria (baixo), Sérgio Gomes (teclados).
Passados alguns anos Daniel, Belcino e Alfeu retomam os ensaios para a banda Apnéia. Daniel sai ainda na fase de ensaios. A banda Apnéia segue com outros componentes.
Alfeu mais tarde funda com Roberto SantaMaria a banda "Papo Zen" e lança o álbum "Em busca da Vitória".
Em 2005 a banda se reúne para um show memorável na grande festa de reunião da Galera Roqueira de Niterói dos Anos 80. A banda é montada com Belcino (voz principal e violão), Daniel Elói (guitarra,voz), Alfeu Lisboa (bateria e voz), Calbo (baixo), Jairo Borba (guitarra).
Neste show, a banda toca seus principais clássicos além dos covers usuais de Pink Floyd. Conta com a participação especial de Marcos Wallauer (guitarra) em algumas músicas.
Ainda neste show há uma confraternização com uma performance improvisada da Habeas Almas com Jorginho nos vocais, Alfeu, Daniel e Jairo Borba (baixo).
Daniel atualmente integra a banda Habeas, e conta com Jairo Borba (guitarra), Dênis Rosa (voz), Rogério Henrique (bateria), Roberto Santamaria (baixo).

A permanente saudade de um velho amigo



O poema a seguir eu escrevi logo depois do falecimento do amigo Nenê, assinalado com círculo nesta foto do casamento do Toninho. Esta foto eu acho sensacional pois nela estão muitos de nós ainda muito jovens. Eu estou ali atrás do noivo, com o mesmo blusão marrom que me acompanhou em tantas ocasiões.


DESPEDIDA DE UM AMIGO
By Daniel Elói P Oliveira

Valente, na composição de teu nome
O perfeito adjetivo para definir-te a atitude
Diante da espinhosa senda que o destino te deu
A cada queda erguia-te, a cada dor crescias
Na lúgubre visão do catre hospitalar
Presenciei nos teus olhos a serenidade passear soberana,
Sobre a fina camada de gelo que sustentava tua existência terrena,
Separada das águas infinitas de uma vida maior.
Foi assim que lutaste: Valente
E que tua luta sirva de espelho àqueles que esmorecem ante o fragor da
batalha.
Não há derrota quando crescemos, há sim a virtude de ser eleito por Deus
A subir ao cume mais alto do mais íngreme dos montes: a enfermidade
derradeira.
Essa que prostra-nos em prantos de súplica, essa que nos leva a desafiar a
própria vontade do Altíssimo e nos impele inexoravelmente a implorar pela
Sua santa misericórdia.

Rompeu-se o tênue véu sobre o lago,
Tua alma agora leve, flutua na volta de mais essa etapa.
Amigos e parentes mortos, que há muito dormiam no carinho de teu coração
Lá estarão a te dedicarem conforto e notarem que voltaste muito maior.
Tua trajetória breve, povoada de agruras nestes últimos meses,
Trilhaste de fronte erguida, desafiando a gravidade da doença com um sorriso
de esperança.
E, mesmo no torpor da medicação intensa, denotavas a lucidez de quem
descobriu a virtude Como uma flor num charco, a dádiva que o sofrimento
imprimiu em tua alma.
Meu grande amigo, quiçá um dia tenhamos a oportunidade de nos reencontrarmos
num outro tempo, num outro lugar...
E, na certeza que nos reconheceremos parte de uma mesma família,
Essa que transcende os laços sangüíneos da efêmera existência terrena,
Essa chama inextingüível, acesa pelo sol intenso de nossa adolescência,
Se as circunstâncias eternas nos forem favoráveis, relembraremos da
intensidade de nossa juventude.
E dos tempos em que formulávamos as mais ingênuas explicações para os mais
complexos mistérios do mundo;
E dos tempos em que jogávamos basquete como se a bola fosse o mundo que
detínhamos nas mãos;

Dos tempos em que ao som de Pink Floyd, Jethro Tull, King Crimson,
remetíamo-nos a intensas divagações oníricas;
Dos tempos em que a vida parecia estar circunscrita na pretensiosa extensão
de nossas consciências, sob o jugo absoluto de nossas vontades;
Dos tempos em que o tempo andava sem pressa conquanto resoluto em nos
envelhecer devagar.
Entre as reflexões que externávamo-nos mutuamente, estava a constatação de
que os anos passariam, casaríamos, teríamos filhos e continuaríamos grandes
amigos
Raramente cogitávamos a morte antes de nossa velhice, onde esperávamos
mantermo-nos em contato, alimentando-nos reciprocamente das experiências
vividas
Sobreveio as circunstâncias da vida adulta, onde os compromissos de
sobrevivência destoam dos ideais firmados
Onde as escassas frações que o tempo nos empresta são aquelas em que estamos
mais cansados
Onde trabalho, família, moradia, dinheiro e acontecimentos diversos vão
afastando lentamente uns dos outros os velhos amigos de outrora,
Aquela amizade intensa dá lugar a uma outra, não menos sólida, provida da
mais profunda consideração recíproca

E, quando, por força das circunstâncias, a vida nos cedia o óbolo de um
instante,
bastavam algumas frases,
algumas incursões no passado perdido,
alguma lembrança alegre de nossas ousadias ou da forma como a sorte nos
provia de alternativas inusitadas ante às mais embaraçosas situações,
para que nossas auras se imantassem e nos reconhecêssemos grandes amigos
O céu hoje acordou chumbado sobre os ombros de teus amigos
Reconhecemos em tua partida o inevitável plano do destino o qual não nos é
facultado alterar
Vai, meu amigo, sustenta-te em tua fé.
Tua esposa, teus filhos, estarão sob a guarda de Deus, que em seus desígnios
não desampara ninguém
Talvez um dia compreendamos na íntegra o roteiro a nós determinado (quem
sabe por nós mesmos escolhido?) e possamos definitivamente agradecê-Lo pela
dor que nos é infligida.
Vai, meu amigo, e fica conosco em pensamento, em lembranças, em saudade
Pois em nossos corações existe um canto perenamente habitado por nossos
grandes amigos...

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Apocalipse no Frigosul em Canoas - Anos 80



Teve uma vez que a nossa banda Apocalipse acertou um show no Clube Frigosul no Bairro Rio Branco em Canoas.
Era uma festa com som mecânico e o show da banda iniciou depois de algumas horas. Bom público. Presença de nossos amigos. Fizemos um show vibrante com ótima receptividade dos presentes. Deu tudo certo, equipamento, performance, participação do público,etc. Enquanto tocava guitarra, vi alguns dos nossos camaradas já iniciando os primeiros ‘contatos imediatos’ com as gurias.

Assim que terminamos a última música, guardamos rapidamente os instrumentos prá podermos passar a curtir ainda mais a festa. Desci do palco achando que aquela noite estava com um ‘quê’ de magia.
Mesmo sabendo naquela época que entre o público do Frigosul tinha uns ‘boca-brabas’ que poderiam a qualquer momento estragar a festa com uma briga, decidimos ficar. Estávamos todos conscientes de que tanto a permanência ali e sobretudo as investidas às garotas na festa deveriam ser revestidas de uma certa cautela. Qualquer ação mal calculada, como ficar com a namorada de algum cara dali, ou até mesmo um simples esbarrão em alguém poderia representar uma séria ameaça à integridade física.
Sabíamos que se houvesse uma briga, se o ‘tempo fechasse’ mesmo, a alternativa mais razoável seria bater em retirada pois certamente estaríamos em inferior condição numérica e bélica comparados às turminhas do local.
Apesar disso a festa parecia promissora, tinham muitas garotas e alguns de nós já estavam começando a se dar bem. Volta e meia eu cruzava com algum ser mal-encarado e bêbado, vagando com uma garrafa na mão. Eu simplesmente desviava e nem olhava. Até então absolutamente nada de hostil tinha acontecido com nenhum de nós. Já estava até esquecendo daquele certo clima ‘velho-oeste’, quando entramos eu, o Nando e o Marcelo no banheiro do ‘saloon’. A intenção era dar uma ‘desaguada’ e nos atualizarmos em relação ao que estava rolando na festa.
Se bem me lembro depois de algum papo, o Nando passou a lavar as mãos na pia e em seguida, sacudiu-as propositalmente jogando água no Marcelo. Ato contínuo, o Marcelo rapidamente se dirigiu à pia enquanto o Nando, pressentindo o troco, se deslocou acelerado em direção à porta.
"-- Ah, não. Agora tu vai ver... " Disse o Marcelo enquanto abria rapidamente a torneira e enchia com água as mãos feito concha.

Foi tudo muito rápido. O Nando tentando sair do banheiro, o Marcelo enchendo as mãos de água, virando-se rapidamente, meio sem olhar, jogando água em direção ao Nando. Era tudo uma brincadeira, mas que assumiu proporções catastróficas quando a água jogada acertou em cheio um cara que entrava no banheiro.
O tempo parou naqueles segundos em que o sujeito mal-encarado parou na porta. Olhou prá sua camisa molhada, levantou lentamente a cabeça e pousou os olhos fuzilantes no Marcelo. Este, por sua vez, diante da gravidade da situação, e esquecendo que uma parte dos presentes era imune à qualquer senso de civilização, tentou se desculpar:
-- Ô, desculpa aí, não fui jogar água em ti...

O cara segurou o braço do Marcelo fortemente e falou:
-- Se eu não bater em ti agora os meus amigos vão dizer que eu arreguei prá ti...
Foi só aí que eu vi que atrás dele estavam uns outros ‘chaves-de-cadeia’ apenas esperando ele sair da porta prá entrar no banheiro. Agora a coisa tinha enfeiado mesmo.
O Nando que já estava no limite da porta deu um passo prá fora e desapareceu por trás dos medonhos. Era um pouco de esperança. Talvez ele conseguisse buscar alguma ajuda que chegasse a tempo de nos poupar de algumas porradas.
A minha permanência ali tinha uma certa lógica: Talvez eu conseguisse argumentar por um tempo de forma a retardar o massacre até a ajuda chegar. Mas estava difícil penetrar na razão daquele ‘código de conduta’ citado pelo cara. E olha que eu me puxei. Morei grande parte da minha infância numa área violenta da cidade. Entre meus vizinhos ficha policial era que nem certidão de nascimento. Até por isso mesmo é que no fundo eu já havia me convencido que não teria jeito, haveriam baixas naquela noite.
O cara ali, avaliando o Marcelo feito um abutre indeciso por onde começar... Eu, com olhar de vaqueiro em duelo esperando o primeiro movimento prá reagir... Bem, talvez apenas ‘atrapalhar’.

Dizem os especialistas que a adrenalina acelera tanto o nosso metabolismo e as funções cerebrais que a própria noção de tempo parece ficar mais lenta. De fato, aqueles segundos pareceram uma eternidade. Também dizem que estando o corpo adrenado, a força muscular é incrementada a ponto de nos fazer muito mais fortes do que somos. Era a minha remota expectativa quanto ao inevitável ‘embate’ que iria acontecer. De fato o cara molhado estava raivoso, mas os outros estavam ali meio que de sangue doce, só esperando prá começar a bater.
Meus acelerados batimentos cardíacos descompassavam com a música que entrava pela porta. Eles não, pareciam numa situação rotineira.
Era provável que apanharíamos, mas certamente não seria sem reação. A partir dessa resolução instintiva de sobrevivência passei a aproveitar aqueles segundos prá uma análise mais minuciosa da situação. Eu olhava pro sujeito que segurava o Marcelo, corria os olhos pelo banheiro tentando achar qualquer coisa que pudesse ser usado como arma. Nada. A única coisa que percebi nessa minha desesperada observação foi que o chão estava uniformemente coberto de urina e que simplesmente cair deitado ali já seria uma tragédia.
Mas, quando tudo parecia perdido, aconteceu.
Chegou a cavalaria. Um dos anabolizados seguranças da festa entrou no banheiro e levantou o ‘encharcado’ pelo cangote. Os outros seguranças se encarregaram de tirar de cena os parceiros dele também via áerea.
Foi bonito de ver os caras esperneando no ar sendo conduzidos até a rua . Os outros ‘chaves’ remanescentes que os acompanhavam, saíram furtivamente e se misturaram no meio do publico. Quando saímos do banheiro eu ainda vi um ou outro nos observando como hienas que perderam a presa. Parece que foi o Nando que chamou os seguranças. Cogito que eles vieram ainda mais rápido ao saberem que a bronca era com o pessoal da banda. Um dos seguranças, uma porta, era fã da banda e camarada meu.
Ficar na festa depois daquilo nem pensar. Não só em função de uma possível conclusão da execução por parte dos que sobraram espalhados pelo salão, mas principalmente depois da notícia que o ‘encharcado’ estava reorganizando as tropas lá fora prá nos pegar na ‘saída’.
Conseguimos fugir por uma porta nos fundos que tinha sido liberada prá carregar o equipamento da banda.
Felizmente aquela foi uma noite em que as forças cósmicas (e físicas) estavam a nosso favor.

Dureza em Tramanda Beach (por Ângelo Fernando da Cruz - Nando)

Mil novecentos e oitenta e alguma coisa... eu não lembro bem qual foi o ano, mas lembro que era uma sexta feira, na década de 80, no mês de janeiro, um verão com um calor “senegalês”. Eu estava na baía (em casa) curtindo uma sessão da tarde e ouvindo um som do Black Sabbath (sim é possível ver TV e curtir um som ao mesmo tempo... bem, pelo menos é possível quando se tem 16 ou 17 anos), e me preparando para, mais tarde, pegar uma piscina no Niterói, já que este era o programa natural da galera nas quentes tardes de verão (e até nas tardes de primavera, para tomar banho com girinos... mas esta é uma outra história). Bem, neste marasmo de tarde, esperando baixar o rango para não dar uma “congestão” na piscina, eis que ouço algumas vozes gritando na frente da minha casa me chamando... eram o Boca e o Daison, e eles estavam carregando pesadas mochilas!

- Ai meu... qualé que é?
- E aí perereca (é, este era (é) o meu apelido “PERERECA”)? Falou o Daison.
- E aí meu? O que tu ta fazendo? Perguntou o Boca.
- Nada - respondi. - Tô de bobeira curtindo um som e vendo TV, esperando baixar o rango para dar uma banda na piscina.
- Ô meu, vamos pra praia? Perguntou o Daison
- Praia?? Perguntei meio encabritado do convite, achando que eles estavam de sacanagem, pois naquela época a gente era tudo “durango kid”, ninguém tinha grana nem para toma um refri, imagina ir para praia. - Mas qual praia? Lá para casa do teu vô em Capão? Perguntei, pois o vô deles (para quem não sabe o Daison e Boca são primos) tinha uma casa em Capão da Canoa, e eu pensei que o convite poderia ser para ir para a casa do vô deles.

- Não. Respondeu o Boca. - A gente vai pra Tramandaí de barraca, vamos passar o fim de semana lá.

Aí que eu fiquei mais encucado, mas o convite era tentador... - Báh cara eu tô tri a fim, só que eu tô sem “um puto no bolso”, não tenho grana nem pra fazer um rango, e o meu pai já disse que este fim de semana ele tá sem dinheiro e não vai rolar grana de mesada.

- Não dá nada Perereca! Emendou o Daison. - A gente tá com grana e segura a tua!

Na hora eu estranhei aquela benevolência... imagina ir para a praia e ainda com tudo pago pelos camaradas. Era bom demais para ser verdade

- Tu leva a tua barraca que a gente segura a tua. Disparou o Boca.

A proposta era tentadora e sem pensar muito concordei.

Antes de sairmos ainda conversei com meu pai e após um grande apelo ele me deu uma graninha, suficiente para pagar a passagem de ida e volta, pois devido ao tamanho da barraca era impossível pedir carona na free way. Também procurei confirmar com o Boca e o Daison se eles realmentes tinham grana para seguras as nossas despesas durante o fim de semana.

- Cara vocês tem mesmo grana pra segurar a nossa durante o fim de semana?
- Báh perereca não esquenta, eu o Alemão (Daison) temos dinheiro, e a gente ainda ta levando um monte de rango... fica frio que não dá nada, a gente vai curtir pra caralho e ainda vamos mata umas “mina” na barraca! Afirmou o Boca.
- Então tá, porque eu não to a fim de passar fome o fim de semana inteiro.
- Cara... já disse... deixa tudo com nós que a gente segura todas. Insistiu o Daison.

E assim, com a certeza de tudo estava tranqüilo (pelo menos eu acreditava nisto), e que havia grana suficiente para garantir a nossa estada na praia durante o fim de semana, partimos para a rodoviária para pegar o ônibus para o litoral .

Assim que chegamos na rodoviária de Tramandaí, lá pelas 17:00, já providenciamos a compra das passagens de volta para segunda feira de manhã, pois naquela época, assim como hoje, o retorno do litoral é sempre complicado, e quem não se adianta comprando a passagem com antecedência, fica sem vaga nos ônibus que retornam para a capital no início da semana..


Dureza em Tramanda Beach (parte 3)
Logo que saímos da rodoviária, que naquela época era bem no centro de Tramandaí, carregando a imensa barraca (o Daison e o Boca levavam a barraca e eu levava os ferros) e mais as pesadas mochilas, eu já estava meio eufórico, louco para nos instalarmos de uma vez, e pegar um banho de mar antes que anoitecesse, pois o fim de semana prometia!
Com um sorriso no rosto e a empolgação pelo fim semana, me lembrei de perguntar para os dois onde é que nós íamos ficar acampados.
- Pra onde a gente vai agora? Nós vamos para um camping ou para casa de algum camarada? Perguntei.
Neste instante o Daison e o Boca se olharam e o sorriso desapareceu de suas faces.
- Pois é... Disse o Boca
- Como assim pois é? Perguntei sem entender muito .
- É... Disse o Daison. - A gente tem que arrumar um lugar...
- Arrumar um lugar? Perguntei já sentindo um clima de “pintou merda”. - Mas vocês já não tem um lugar pra gente ficar??
- A gente tinha... quer dizer... a gente tinha planejado de ficar num camping, mas como tivemos que pagar a passagem, a grana acabou! Disse o Daison
- Como assim acabou?? Quer dizer que a grana que vocês tinham só dava para pagar a passagem?? Questionei já totalmente indignado.
- Na verdade essa grana não era para pagar a passagem, a gente pensou em pegar carona e deixar esta grana para pagar o camping... mas tu insistiu em vir de ônibus. Justificou o Boca.
- Insistiu o caralho!! Falei já puto da cara. – Eu não insisti porra nenhuma, a gente pegou o ônibus porque não dava pra pedir carona com esta barraca nas costas! Qual é o carro que ia parar para dar carona para 3 cabeludos carregando um trombolho destes??
- É mas com isto foi a grana toda... agora a gente vai ter que dar um jeito de arrumar um lugar para montar esta barraca. Disse o Boca.
- E o rango?? O que a gente vai comer nestes três dias?? Perguntei já prevendo que a história do rango trazido pelo Daison também era uma furada.
- Fica frio que o Daison trouxe rango. Falou tranquilamente o Boca.
- Tá Alemão, que rango tu trouxe?? Perguntei
- Eu trouxe uma lata de pêssego em calda, uma lata de sardinha e duas latas de salsicha.
- O que?? Este é rango que tu trouxe?? A gente vai morrer de fome até segunda, sem nada pra comer e sem grana! (ok! Ninguém morre de fome em 3 dias, mas naquele momento a situação parecia desesperadora).
- Ah para Perereca! A gente não veio pra praia pra comer, a gente veio fazer festa e pegar umas minas... fica frio e relaxa. Falou o Boca como se tudo estivesse sob controle.
- E como que a gente vai pega umas minas sem grana nem pra um refri?? Questionei.
- A gente dá um desdobre (passa a conversa) nelas, e depois arrasta para barraca e mata! Disse o Daison empolgado.
- Ta legal! Falei já me acostumando com a idéia de passar o fim de semana sem comer nada, mas com boas perspectivas de se dar bem com o mulherio na praia. – Mas onde a gente vai montar a barraca?
- Pois é... Disse o boca novamente


Dureza em Tramanda Beach (parte 4)

Por algum tempo ninguém falou nada, e nós continuamos caminhando sem rumo pelo centro de Tramandaí, com o barracão e as mochilas nas costas. Após mais algum tempo, e com o sol já começando a se por, o Boca parou de repente, com um brilho nos olhos e com ar de satisfação de quem consegui resolver um grande problema, e exclamou:
- Já sei! Vamos pedir para o padre para montar a barraca no pátio da igreja! É claro que ele não vai se negar, imagina, o cara é padre pô... ele tem obrigação de fazer o bem para o próximo, além do mais tu e o pereca estudam em colégio de freira (no caso o Colégio são Paulo em Niterói, que na época era administrado pela irmãs)!


- Grande idéia Boca! É claro que o padre não vai se negar em deixar a gente ficar só três dias no pátio da igreja. Concordou o Daison, com a certeza de que nossos problemas estavam resolvidos.
“Idéia de girino” pensei, imagina se o padre vai deixar a gente montar barraca no pátio da igreja. Mas naquela altura do campeonato qualquer tentativa era valida, portanto não me opus a idéia e acompanhei os amigos na visita ao padre.


A igreja em questão era a igreja central de Tramandaí, que fica na rua da Igreja, principal avenida do município, bem no centro de Tramandaí. Chegando lá fomos direto a sacristia que ficava em uma porta lateral da igreja, e assim que batemos na porta o padre em pessoa veio nos atender (como eu sei que era o padre? O cidadão tinha cara de padre ora!)
- Boa noite padre! Falou o Boca
- Boa noite! Respondeu o padre meio assustado com aquelas três figuras cabeludas carregando um enorme saco roxo e cinza nas costas (estas eram as cores do saco da barraca), além de pesadas mochilas.
- Sabe o que é padre? Começou o Boca. - É que a gente é lá de Canoas, e veio passar o fim de semana aqui na praia... o problema é que a gente teve que vir de ônibus e acabou ficando sem grana para pagar um camping... aí a gente pensou se talvez o senhor deixasse a gente armar a barraca aqui no pátio da igreja... é só pra dormir sabe? E na segunda de manhã a gente sai fora.

Os olhos do padre se arregalaram incrédulos com a proposta, em um misto de espanto com indignação. Neste momento, para dar uma força eu emendei:
- É padre... a gente estuda em colégio de freira, o Colégio São Paulo lá em Niterói, saca? E daí a gente pensou se o senhor poderia dar uma força aí pra nós...
Eu mal terminei de expor a minha argumentação e a fisionomia do padre passou do ar de espanto para fúria... e enfurecido passou a esbravejar:
- Fora daqui seus vagabundos! O que vocês estão pensando? Isto aqui é uma igreja, sumam daqui ou eu chamo a polícia! Mas que desaforo de vocês!
- Ma... ma... masss..., padre... Tentou argumentar o Daison, mas não tinha mais jeito, o padre já estava a ponto de partir para a porrada em cima da gente... o negócio foi pegar o barracão e as mochilas e bater em retirada com o rabo no meio das pernas. Há quase uma quadra de distância da igreja ainda dava para ouvir o padre esbravejando: - Não apareçam mais aqui seus vagabundos!

Após esta visita mal sucedida a igreja, continuávamos na estaca zero, e com a dúvida cruel: Onde ficar? Uma coisa era certa voltar para a casa era impossível, pois as passagens de volta eram para segunda feira, e dormir na areia ainda era considerado um plano B. Mas eis que o Boca tem uma nova grande idéia:
- Já sei! Vamos falar com o prefeito e pedir para ficar no pátio da prefeitura.
- Aí grande idéia Boca! Concordei achando que desta vez seria mais fácil.
- Na prefeitura eles vão ter obrigação de deixar a gente acampar.

Partimos então em direção a Prefeitura, que é bem perto da igreja, na mesma avenida. Chegando lá fomos recebidos por um segurança do prédio, que ouviu em silêncio o nosso problema, após expormos o nosso drama o cara deu uma risada sarcástica e botou a gente pra fora da Prefeitura. Acho que só não apanhamos porque o cara deve ter achado aquela história toda muito surrealista para ser verdade.



Dureza em Tramanda Beach (parte 5)
Após mais esta tentativa frustrada, a nossa esperança de ter um lugar descente para dormir já estava se dissipando, e a alternativa de montar a barraca na areia da praia já era considerada a única solução.
Já eram mais ou menos umas 21:00, e nós estávamos descansando um pouco, sentados em um banco no calçadão de Tramandaí, discutindo qual seria o melhor local para montar a barraca na praia, quando vislumbramos uma figura conhecida se aproximando com um sorriso no rosto.
A figura em questão pesava uns cento e poucos quilos, cabelo cumprido e encrespado (como se não visse água há algum tempo), vestindo uma camiseta surrada com uma estampa em preto e branco da Janis Joplin, um jeans que parecia ter uns vinte anos de idade com o fundilho na altura do joelho, e um tênis que era impossível identificar a marca e a cor... mas o que mais chamava a atenção era a face deste nosso amigo, pois apesar de estar se dirigindo em nossa direção e já estar acenando euforicamente para nós, os olhos dele estavam direcionados para o lado oposto. Bem, está figuraça era um amigo nosso conhecido com “Brian”, cujo nome verdadeiro era Rogério, o codinome Brian era uma alusão a uma “certa semelhança”com o guitarrista Brian May do grupo Queen. Na verdade a semelhança em questão era próxima a uma caricatura, ou como diziam, “o negativo do Brian May”. O Brian era completamente vesgo, e por isso quando ele falava com alguém os olhos se direcionavam para o lado oposto.
O Brian era gente fina, e quando a gente viu ele se aproximando nossas esperanças se renovaram, talvez a gente conseguisse um lugar para ficar, talvez um pátio, uma barraca, sei lá qualquer lugar que fosse possível dormir.
- E aí loucos? Gritou o Brian, quando se aproximava.
- E aí Brian? Respondemos quase em coro.
- O que vocês tão fazendo perdidos aí seus loucos? Perguntou o Brian.
- A gente veio passar o fim de semana aqui em Tramanda, mas deu problema... a gente tá meio sem grana e não temos lugar para ficar. Explicou o Daison.
- Tu sabe de alguma barbada aí, onde a gente pode armar a barraca e ficar durante o fim semana? Perguntei.
- Pô galera... não dá nada... vocês podem montar a barraca lá no pátio da minha baía! Disse o Brian.
- Legal Brian... eu não sabia que tu tinha casa aqui em Tramandaí. Falou o Boca.
- E não tenho mesmo. Respondeu o Brian. - Eu tenho uns camaradas aí que são pescadores, e um deles me emprestou a baía, se vocês quiserem dá pra montar a barraca lá no pátio.
- Báh, só! Valeu veio, vamo nessa! Se adiantou o Daison, já levantando e botando o barracão nas costas.
- É longe a tua baía Brian? Perguntei.
- Não, é tri pertinho... dá pra ir na pernada.
- Então vamos! Emendou o Boca já ajudando o Daison a carregar o barracão.
Com a esperança renovada, e com a certeza de ficarmos bem instalados, seguimos com o Brian em direção a sua baía.



Dureza em Tramanda Beach (parte 6)
Caminhamos por aproximadamente umas duas horas... passamos por todo o centro de Tramandaí, atravessamos alguns bairros... a última hora de caminhada foi dentro de um banhado, e a única luz era a da lua e das estrelas, e dos vagalumes... diversos sapos nos acompanhavam em um saltitante cortejo. Após esta longa caminhada, totalmente exaustos, chegamos na baía do Brian. Na verdade não dava para chamar de baía o local onde o Brian estava alojado.
O local em questão, localizado no meio do nada, esquina com lugar nenhum, era um casebre (na verdade chamar aquilo de casebre era um elogio), sem luz, água, banheiro, ou qualquer outra infra-estrutura minimante aceitável para a permanência de um ser humano. O “pátio” onde nós poderíamos montar a barraca era um banhado com aproximadamente 5cm de água e mato. Dentro do casebre havia apenas uma cama (ou algo parecido), e alguns utensílios que vagamente lembravam panelas.
Eu, o Daison e o Boca nos olhamos, e sem dizer nada, sabíamos exatamente o que o outro estava pensando: “Fudeu! Nem como última alternativa dá para ficar aqui”.
Antes de agradecermos, e elaborarmos um desculpa para recusar a gentil oferta de hospedagem o Brian ainda disparou: - Aí louco, só não dá pra fazer zoeira porque a baía não é minha, falou?
Agradecemos, inventamos uma história qualquer, e nos despedimos do Brian, que ficou bastante desapontado com a nossa recusa em se instalar no pátio da sua casa.
O Brian ficou, e nós voltamos para o centro de Tramandaí, já aceitando definitivamente a única alternativa possível de montar a barraca na areia da praia. Mais duas horas de volta e a madrugada já ia longe. Nós estávamos exaustos de carregar o barracão durante boa parte do dia, e naquele momento a única coisa que queríamos era deitar e dormir.
Quando já estávamos chegando de volta ao centro eu me lembrei que tinha um camping em Imbé (bem perto da ponte que separa os dois municípios) com uma cerca bem baixinha, e que aquela hora da noite provavelmente tinha pouca vigilância. Então eu dei uma idéia para os parceiros:
- Cara! Tem um camping em Imbé, com uma cerca bem baixa... o que vocês acham da gente pular o muro e montar a barraca na “manha”... os caras nem vão notar... e ai gente fica bem “mucosado” (escondido, desapercebido), e se os caras descobrirem o máximo que eles vão fazer é mandar a gente sair fora.
- Pô Perereca! Porque tu não falou isto antes? Questionou o Boca.
- É que eu só lembrei agora... respondi.
- Pô Pereça! Tu é foda... a gente aqui se fudendo, e taí a solução... vamos nessa. Disparou o Daison.


Dureza em Tramanda Beach (parte 7)
Realmente o camping tinha um murinho bem baixinho, e estava lotado de barracas, e o melhor de tudo é que não tinha ninguém cuidando da segurança do lugar, desta forma foi fácil pular o murinho, e achar um lugar bem mucosado, perto de uma barraca que parecia de uma família, pois caso alguém do camping aparecesse seria mais fácil dar um desdobre e dizer que a gente era daquela família. Tudo acabou saindo do jeito planejado, armamos a nossa barraca com rapidez e discrição para ninguém perceber, e nos tocamos para dentro para dormir, pois a aquela altura nós estávamos exaustos e só queríamos saber de uma boa noite de sono.
No dia seguinte acordamos já perto do meio dia, com fome e loucos de vontade de começar a curtir o fim de semana. Antes de irmos tomar um banho de mar, fizemos uma reunião para decidir como seriam consumidos os nossos mantimentos (uma lata de pêssego em calda, uma lata de sardinha e duas latas de salsicha), decidimos que deixaríamos para comer somente a noite, antes de dar uma banda para procurar umas minas, e sabíamos que esta seria a única refeição a ser feita durante todo o fim de semana. Nesta reunião um outro importante assunto veio a tona: Perguntei como é que a gente ia fazer festa na noite, com fome e totalmente de cara, sem beber nada? O Boca respondeu: Deixa comigo que eu vou “providenciar” uma caipirinha pra nós. Achei melhor não perguntar como...
Durante o dia gastamos muita energia tomando banho de mar e dando um malho nas minas na beira da praia (sem muito sucesso), e no início da noite voltamos para o camping, e nos preparamos para a noite que prometia. Tomamos banho (sim o camping tinha chuveiro com água quente), trocamos de roupa e fomos dar uma banda no centro de Tramandaí, pois o Boca garantiu que iria descolar a tal caipirinha para a gente, e ainda nos convenceu de que a caipa seria o acompanhamento do jantar (sardinha e salsicha). No meio do caminho surgiu a pergunta que não queria calar: - O Boca, como é que tu vai descolara uma caipa se a gente não tem um puto no bolso? Perguntou o Daison.
- A gente tem que usar a imaginação meu... e eu já tenho um plano. Respondeu o Boca. - Vocês não viram uma fruteira que tem bem ali no centro?? A gente passou na frente ontem quando estava indo para a casa do Brian.
- Não. Respondi.
- Não lembro. Respondeu o Daison.
- É uma fruteira bem na esquina, toda cercada de grade... a idéia é a seguinte, vocês dois ficam na frente conversando com dono da fruteira, distraindo a atenção dele, e eu dou a volta pela esquina, enfio o braço pela grade e pego uma garrafa de velho barreiro. É tri fácil tem um monte de garrafa bem pertinho da grade.
Puta que o pariu! Roubar uma garrafa de cachaça para fazer uma caipirinha era o fundo do poço. Pensei.
Mas antes que eu pudesse questionar o plano, até porque a aquela altura eu já estava concordando que a idéia apesar de arriscada era boa, o Daison emendou:
- E o limão? A gente vai tomar cachaça pura?
- Não meu! Respondeu o Boca. - Se não der pra dar um ganho “nos limão”, eu vou fazer uma caipa de pêssego.
- Caipa de pêssego? Perguntei.
- É meu, eu pego aquela lata de pêssego em calda que o Daison trouxe e faço uma caipirinha com ela. Explicou o Boca.
Eu e o Daison nos olhamos desconfiados, e deu para sentir que nenhum de nós nunca tinha ouvido falara da tal “caipirinha de pêssego”.
O plano foi bem sucedido, eu e o Daison entramos na fruteira e ficamos batendo um papo descontraído com o dono do estabelecimento, enquanto isso o Boca executava com perfeição a tarefa de “tomar emprestado”a garrafa de velho barreiro. Quando vimos que o Boca já estava do outro lado da rua, nós nos despedimos do quitandeiro e saímos para encontrar o Boca na outra quadra. Com um sorriso que ia de orelha a orelha o Boca nos mostrou o fruto da aventura, escondido dentro da jaqueta jeans que ele vestia.


Voltamos para o camping para a merecida refeição que nos aguardava. Enquanto o Boca preparava a “caimpirinha de pêssego”, o Daison abriu as latas de salsicha e sardinha e me ofereceu com um sorriso no rosto.
- Aí Perereca, vai nessa!
Olhei para o conteúdo daquelas latas e imediatamente percebi que tínhamos outro problema. A sardinha até que tinha uma aparência “razoável”, mas as salsichas... o Daison tentava pegar uma salsicha que se esfarelava entre o garfo. Na verdade todas as salsichas se esfarelavam, com uma cor esbranquiçada, e um cheiro nada agradável
- Cara, estas salsichas estão podre! Exclamei
- É mesmo alemão isso aí não dá pra comer. Concordou o Boca.
- Que nada ta tri bom! Falou o Daison enchendo a boca com nacos de salsicha esfarelada e esbranqiçada.
- Isso aí vai te fazer mal. Recomendou o Boca
- Eu passo! Falei. – Eu não vou comer este troço podre... me dâ aqui a sardinha que essa eu acho que dá pra encarar... e deixa uns pedaços de pêssego pra sobremesa Boca.
- Fica frio Nando que sobrou um monte de pêssego, não dá pra usar muito senão fica doce demais.
- Eu só vou comer a sardinha e o pêssego. Falei
- Deixa um pouco de sardinha pra mim que eu também não vou comer esta salsicha podre. Falou o Boca com uma expressão de nojo no rosto.
- Vocês são umas bichonas mesmo! Exclamou o Daison com um monte de salsicha “duvidosa”na boca. - Estas salsichas estão tri boa!
- Então fica a vontade e come tudo! Retruquei.
O Daison não se fez de rogado e acabou com as salsichas, deixando eu e Boca brigarmos pela misera latinha de sardinha e por uns poucos pedaços de pêssego.
Durante a “ceia” bebemos a “caipirinha” preparada pelo Boca, que apesar de ter um gosto horrível, desceu redondinha, e em poucos minutos estávamos completamente dominados pelo poder etílico do preparado. Na verdade eu e o Boca estávamos “altos”, e o Daison que acabou misturando a salsicha com a “poção” preparada pelo Boca já estava revirando os olhos e se contorcendo com a mão na barriga, e logo em seguida começou a vomitar initerruptamente. No começo eu e o Boca caimos na risada, pegando o pé dele por não ter ouvido os conselhos dos amigos a respeito da “salsicha maldita”, mas logo depois percebemos que com aquela situação a nossa noite estava comprometida, pois não ia dar para dar uma banda e deixar o Daison convalescendo daquele jeito.
- Viu Alemão? Quem mandou tu comer aquele troço podre? Exclamou o Boca já com ar de irritação.
- Nada a ver! A Salsicha tava tria boa... o que me fez mal foi a tua caipa fudida! Respondeu o Daison em meio a mais uma golfada de vomito.
- Olha o cara Boca... comeu aquele troço em decomposição e ainda bota a culpa na tua caipa que ta tri boa (aquela altura a caipirinha realmente já estava muito boa). Argumentei, defendendo a bebida preparada pelo Boca.
- Olha só a data de validade deste troço... já tá vencida há mais de seis meses, e tu vem botar a culpa na minha caipa.
- Onde é que tu comprou esta salsicha Alemão? Pergutei
- Eu não comprei porra nenhuma. Respondeu o Daison mais uma vez “chamando o hugo”. - Peguei estas latas lá despensa de casa!
- E nem se deu ao trabalho de ver se as porras estavam com o prazo de validade vencido? Indagou o Boca.
- Vai te fudê Boca! Tu tava junto e ajudou a pegar as latas... porque tu não olho o prazo de validade? Retrucou o Daison cada vez mais verde, se segurando entre uma golfada e outra.


Dureza em Tramanda Beach (parte 9)
Eu já estava me finando de rir da situação, não sei se por ver o Daison naquele estado, discutindo com Boca sobre quem era culpado pelas provisões estragadas, ou se por causa do efeito da caipirinha, mas logo caiu a ficha de que se a salsicha estava estragada, a sardinha também deveria estar. Corri para pegar a lata de sardinha para conferir a validade, tentando ler o rótulo com o pouco de lucidez que ainda restava, pois a caipirinha de pêssego já estava começando a surtir um efeito devastador na mente.
- O Boca essa sardinha tá vencida a mais de um mês, será que vai fazer mal pra gente também? Perguntei.
- Acho que não, se fosse pra fazer mal já tinha feito.
Não senti muita firmeza na justificativa do Boca, e talvez por isto e pelo efeito da caipirinha, também comecei a me sentir estranho, e resolvi não arriscar uma saída para a noite de Tramandaí, com medo de que pudesse dar um “revertério”, e com isso pagar o maior mico.
- Galera... eu não vou sair... eu vou ficar aqui na barraca, e vou dormir porque to tri cansado... vou deixar a banda para amanhã... hoje eu não tô muito legal. Falei isto já enrolando a língua, pois naquele momento a caipirinha já tinha já tinha batido direto, e nós três estávamos completamente “dominados pelo álcool”.
- Eu também não vou! Completou o Daison em meio a golfadas de vomito.
- Se vocês não vão eu também não vou... também vou dormir. Disse o Boca, também completamente dominado pelo álcool.
- Eu vou dar um tempo aqui fora e daqui a pouco eu vou dormir também. Falou o Daison, completamente sequelado pela mistura de álcool e salsicha “putrefada”.
Eu e o Boca apagamos, mas acordamos diversas vezes durante a madrugada com os gemidos e golfadas do Daison, que parmaneceu a noite toda se esvaindo em vomito do lado de fora da barraca.
Na manhã seguinte eu e Boca acordamos após o meio dia. Porém o Daison que só havia retornado para o interior da barraca quando o sol já estava alto, permaneceu dormindo até o meio da tarde. Naquele domingo ainda aproveitamos um banho de mar a tarde... o Daison se juntou a nós quando o sol já estava quase se pondo, completamente recuperado da noite de “indisposição alimentar”. A noite ainda consumimos o que havia sobrado da caipira, e finalmente fomos dar um banda na noite de Tramandaí.
Acabou não rolando nada, pois a fome era tanta que nós só pensávamos em voltar para a casa na manhã seguinte. Fomos dormir cedo, vencidos pela fome e pelo álcool que novamente havia tomado conta do nosso corpo.
Na manhã seguinte pegamos o nosso ônibus bem cedo e retornamos para Canoas... exaustos e famintos. Chegando em casa eu já não agüentava mais de fome, e comi tudo o que tinha na geladeira... de barriga cheia, caí na cama e só fui acordar no dia seguinte (acho que o Daison e Boca também).
Aquele fim de semana em Tramandaí foi uma dureza só, mas apesar de tudo, de termos passado o fim semana sem comer nada e nem ninguém, aquela aventura foi muito legal, e até hoje damos boas risadas destas lembranças... é meus amigos, como diz o velho ditado, “existe muito mais coisas entre o céu e a terra do sonha a nossa vã filosofia”.

- Tô nessa! Quando é que a gente vai?
- Agora! Disse o Daison.
- Ta tri! Falei. - Só dá um tempo pra eu arrumar a mochila e vamos nessa, enquanto isso vocês vão pegando a barraca lá nos fundos... (a minha casa tinha um pequeno galpão nos fundos onde era guardada a barraca, junto com um monte de outras bugigangas).

Em poucos minutos eu já estava com a mochila pronta, com algumas camisetas, cuecas, bermudas, etc., e um colchonete enrolado. Então eu fui ajudar os dois a pegar a barraca, que era daquelas tipo “chalé” para até quatro pessoas... na verdade era uma “puta” barraca, cheia de ferros, etc. Para carregar aquela barraca (só a lona) eram necessárias 2 pessoas e mais uma para carregar os ferros... era um “barracão”.