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Habeas Almas

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Apocalipse no Frigosul em Canoas - Anos 80



Teve uma vez que a nossa banda Apocalipse acertou um show no Clube Frigosul no Bairro Rio Branco em Canoas.
Era uma festa com som mecânico e o show da banda iniciou depois de algumas horas. Bom público. Presença de nossos amigos. Fizemos um show vibrante com ótima receptividade dos presentes. Deu tudo certo, equipamento, performance, participação do público,etc. Enquanto tocava guitarra, vi alguns dos nossos camaradas já iniciando os primeiros ‘contatos imediatos’ com as gurias.

Assim que terminamos a última música, guardamos rapidamente os instrumentos prá podermos passar a curtir ainda mais a festa. Desci do palco achando que aquela noite estava com um ‘quê’ de magia.
Mesmo sabendo naquela época que entre o público do Frigosul tinha uns ‘boca-brabas’ que poderiam a qualquer momento estragar a festa com uma briga, decidimos ficar. Estávamos todos conscientes de que tanto a permanência ali e sobretudo as investidas às garotas na festa deveriam ser revestidas de uma certa cautela. Qualquer ação mal calculada, como ficar com a namorada de algum cara dali, ou até mesmo um simples esbarrão em alguém poderia representar uma séria ameaça à integridade física.
Sabíamos que se houvesse uma briga, se o ‘tempo fechasse’ mesmo, a alternativa mais razoável seria bater em retirada pois certamente estaríamos em inferior condição numérica e bélica comparados às turminhas do local.
Apesar disso a festa parecia promissora, tinham muitas garotas e alguns de nós já estavam começando a se dar bem. Volta e meia eu cruzava com algum ser mal-encarado e bêbado, vagando com uma garrafa na mão. Eu simplesmente desviava e nem olhava. Até então absolutamente nada de hostil tinha acontecido com nenhum de nós. Já estava até esquecendo daquele certo clima ‘velho-oeste’, quando entramos eu, o Nando e o Marcelo no banheiro do ‘saloon’. A intenção era dar uma ‘desaguada’ e nos atualizarmos em relação ao que estava rolando na festa.
Se bem me lembro depois de algum papo, o Nando passou a lavar as mãos na pia e em seguida, sacudiu-as propositalmente jogando água no Marcelo. Ato contínuo, o Marcelo rapidamente se dirigiu à pia enquanto o Nando, pressentindo o troco, se deslocou acelerado em direção à porta.
"-- Ah, não. Agora tu vai ver... " Disse o Marcelo enquanto abria rapidamente a torneira e enchia com água as mãos feito concha.

Foi tudo muito rápido. O Nando tentando sair do banheiro, o Marcelo enchendo as mãos de água, virando-se rapidamente, meio sem olhar, jogando água em direção ao Nando. Era tudo uma brincadeira, mas que assumiu proporções catastróficas quando a água jogada acertou em cheio um cara que entrava no banheiro.
O tempo parou naqueles segundos em que o sujeito mal-encarado parou na porta. Olhou prá sua camisa molhada, levantou lentamente a cabeça e pousou os olhos fuzilantes no Marcelo. Este, por sua vez, diante da gravidade da situação, e esquecendo que uma parte dos presentes era imune à qualquer senso de civilização, tentou se desculpar:
-- Ô, desculpa aí, não fui jogar água em ti...

O cara segurou o braço do Marcelo fortemente e falou:
-- Se eu não bater em ti agora os meus amigos vão dizer que eu arreguei prá ti...
Foi só aí que eu vi que atrás dele estavam uns outros ‘chaves-de-cadeia’ apenas esperando ele sair da porta prá entrar no banheiro. Agora a coisa tinha enfeiado mesmo.
O Nando que já estava no limite da porta deu um passo prá fora e desapareceu por trás dos medonhos. Era um pouco de esperança. Talvez ele conseguisse buscar alguma ajuda que chegasse a tempo de nos poupar de algumas porradas.
A minha permanência ali tinha uma certa lógica: Talvez eu conseguisse argumentar por um tempo de forma a retardar o massacre até a ajuda chegar. Mas estava difícil penetrar na razão daquele ‘código de conduta’ citado pelo cara. E olha que eu me puxei. Morei grande parte da minha infância numa área violenta da cidade. Entre meus vizinhos ficha policial era que nem certidão de nascimento. Até por isso mesmo é que no fundo eu já havia me convencido que não teria jeito, haveriam baixas naquela noite.
O cara ali, avaliando o Marcelo feito um abutre indeciso por onde começar... Eu, com olhar de vaqueiro em duelo esperando o primeiro movimento prá reagir... Bem, talvez apenas ‘atrapalhar’.

Dizem os especialistas que a adrenalina acelera tanto o nosso metabolismo e as funções cerebrais que a própria noção de tempo parece ficar mais lenta. De fato, aqueles segundos pareceram uma eternidade. Também dizem que estando o corpo adrenado, a força muscular é incrementada a ponto de nos fazer muito mais fortes do que somos. Era a minha remota expectativa quanto ao inevitável ‘embate’ que iria acontecer. De fato o cara molhado estava raivoso, mas os outros estavam ali meio que de sangue doce, só esperando prá começar a bater.
Meus acelerados batimentos cardíacos descompassavam com a música que entrava pela porta. Eles não, pareciam numa situação rotineira.
Era provável que apanharíamos, mas certamente não seria sem reação. A partir dessa resolução instintiva de sobrevivência passei a aproveitar aqueles segundos prá uma análise mais minuciosa da situação. Eu olhava pro sujeito que segurava o Marcelo, corria os olhos pelo banheiro tentando achar qualquer coisa que pudesse ser usado como arma. Nada. A única coisa que percebi nessa minha desesperada observação foi que o chão estava uniformemente coberto de urina e que simplesmente cair deitado ali já seria uma tragédia.
Mas, quando tudo parecia perdido, aconteceu.
Chegou a cavalaria. Um dos anabolizados seguranças da festa entrou no banheiro e levantou o ‘encharcado’ pelo cangote. Os outros seguranças se encarregaram de tirar de cena os parceiros dele também via áerea.
Foi bonito de ver os caras esperneando no ar sendo conduzidos até a rua . Os outros ‘chaves’ remanescentes que os acompanhavam, saíram furtivamente e se misturaram no meio do publico. Quando saímos do banheiro eu ainda vi um ou outro nos observando como hienas que perderam a presa. Parece que foi o Nando que chamou os seguranças. Cogito que eles vieram ainda mais rápido ao saberem que a bronca era com o pessoal da banda. Um dos seguranças, uma porta, era fã da banda e camarada meu.
Ficar na festa depois daquilo nem pensar. Não só em função de uma possível conclusão da execução por parte dos que sobraram espalhados pelo salão, mas principalmente depois da notícia que o ‘encharcado’ estava reorganizando as tropas lá fora prá nos pegar na ‘saída’.
Conseguimos fugir por uma porta nos fundos que tinha sido liberada prá carregar o equipamento da banda.
Felizmente aquela foi uma noite em que as forças cósmicas (e físicas) estavam a nosso favor.

7 comentários:

  1. Que preconceito, "chave-de-cadeia"
    e outros adjetivos baixos e vcs se acham classe média ou civilizados ?
    Num local diferente onde quer que seja devemos ter um comportamento que respeite os nativos,não podemos atirar água ou que seja, nem em nós próprios quanto mais nos nativos numa festa em que o alcool deve estar nas mentes, como
    esperar outra reação, ou vocês numa
    festa em suas casas aceitariam de desconhecidos tal atitude e receberiam o pedido de descupas e claro iria se secar na janela mais próxima como e nada tivese acontecido... Se não não é nas classes mais elevadas que a violência acontece com maior frequencia, só é obvio não sai na mídia com o mesmo alarde do que numa vila como a Rio Branco em Canoas, Eu nasci e me criei no Frigosul, nunca arrumei uma briga e ao contrário sempre tive muitos amigos lá nas festas e no futebol, claro minha educação sempre ajudou.
    Carlos Fazenda -

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  2. Lamento Carlos que você tenha se ofendido. Não generalizei o bairro Rio Branco em nenhum momento. Quando fiz referência a uns 'certos caras' que estavam na porta do banheiro como 'chaves-de-cadeia' usei uma ezpressão comum em nossa turma prá designar indivíduos mal-encarados em geral...
    Não posso ter 'preconceito' de pessoal de vila pois me criei na 'antiga 19' em Niterói.
    Tínhamos na época uns 17, 18 anos eu acho, então algumas brincadeiras até mesmo a citada no post são prórpias da idade. Concordo contigo, hoje, no auge dos meus 42 anos, que isso não condiz com o comportamento esperado num clube tão respeitável como o Frigosul.
    Concordo em parte com suas colocações. Gostei até do termo 'nativos' que soa politicamente mais correto.
    A nossa turma nunca foi de se calar prá humilhações ou injustiças. Tampouco fugia ou se amedrontava das peleias que volta e meia víamos envolvidos, muitas das vezes injustamente. Por isso que nos vários anos que frequentamos os clubes de Canoas e região metropolitana nos metemos em algumas brigas e confusões memoráveis.
    Nossa educação nunca foi lá essas coisas mesmo. Entrávamos em festas de penetra e levávamos salgadinhos nos bolsos.
    Uma vez eu e o Picapau montamos um ingresso com durex para entrar no Araújo Viana. Isso foi no inesquecível show em homenagem a John Lennon, com os Hare Krishnas.
    E teve a vez que fizemos a famigerada 'corrida das cadeiras' num casamento no salão paroquial da igreja São Paulo em Niterói (Canoas).
    De nada nos adiantou as mensagens cristãs que as irmãs do colégio São Paulo nos obrigavam escutar nos alto falantes antes de iniciar as aulas...

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  3. Em tempo: Na pressa postei 'ezpressão' com 'Z' ao invés do correto 'Expressão'. Pior é que ainda não sei como excluir o comentário daqui... heheheh...

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  4. Eu e o Kzão frequentamos muito as noites de domingo lá no Frigo. Sempre nos demos bem com a mulherada "nativa"...! Joguei muito no campo do Frigosul também e tenho até hoje muitos camaradas que ainda moram na área (Alemão Gílson, Josué, Beni, Léka, Ratinho,jairinho, Índio). Quem mora em Niterói, sempre frequentou a Rio Branco e vice-versa, nunca teve frescura...! Acho que comentar um episódio de nossa adolescência é sempre muito divertido e nunca houve entre nossa galera a citada discriminação ao qual se refere esse Sr. Carlos Fazenda. Este sim, fez um comentário no mínimo irresponsável, pois entendo que a liberdade de expressão e de escrita deve ser preservada e o cidadão que se considera "bem educado", não se mete nos assuntos dos outros, olha, analisa e no mínimo não deprecia..., até porquê, embora este seja um espaço democrático, as narrativas aqui postadas, são direcionadas à nossa Galera, onde tem até hoje uns que continuam sendo "bocas brabas" ou "chaves de cadeia", conspirando contra o tempo e a idade, mantendo vivo o mesmo espírito aventureiro que muito nos divertia naquela época!
    Valeu Cumpadre e não te mixa!!!

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  5. Grande Daniel,

    Meu amigo fiquei muito feliz em localizar este blog com as narrativas da galera e não da prá descrever a saudade que dá daquelas aprontadas gostosas, qualquer hora dessas vou narrar umas do Amigo Jorginho(tenho umas boas)do Kazão também tenho algumas muito boas.

    Um abração em toda a galera.
    Silvio Oliveira(Jacaré)

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  6. Cara, achei tua história hilária, me fez voltar no tempo, pra dizer a verdade até me identifiquei com tua descrição do ser mal-encarado e bêbado vagando com a ceva na mão. Pra falar a verdade foi uma descrição quase que perfeita do que era o ambiente do Frigonight, local que frequentei por muitos anos.

    Um abraço e valeu pela viagem no tempo que me proporcionou...

    Antonio Barragan.

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  7. Obrigado Antônio. É justamente este o espírito deste blog: relembrar com alegria uma época mágica de nossas vidas. Abraço :)

    Daniel Oliveira

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