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Habeas Almas

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A permanente saudade de um velho amigo



O poema a seguir eu escrevi logo depois do falecimento do amigo Nenê, assinalado com círculo nesta foto do casamento do Toninho. Esta foto eu acho sensacional pois nela estão muitos de nós ainda muito jovens. Eu estou ali atrás do noivo, com o mesmo blusão marrom que me acompanhou em tantas ocasiões.


DESPEDIDA DE UM AMIGO
By Daniel Elói P Oliveira

Valente, na composição de teu nome
O perfeito adjetivo para definir-te a atitude
Diante da espinhosa senda que o destino te deu
A cada queda erguia-te, a cada dor crescias
Na lúgubre visão do catre hospitalar
Presenciei nos teus olhos a serenidade passear soberana,
Sobre a fina camada de gelo que sustentava tua existência terrena,
Separada das águas infinitas de uma vida maior.
Foi assim que lutaste: Valente
E que tua luta sirva de espelho àqueles que esmorecem ante o fragor da
batalha.
Não há derrota quando crescemos, há sim a virtude de ser eleito por Deus
A subir ao cume mais alto do mais íngreme dos montes: a enfermidade
derradeira.
Essa que prostra-nos em prantos de súplica, essa que nos leva a desafiar a
própria vontade do Altíssimo e nos impele inexoravelmente a implorar pela
Sua santa misericórdia.

Rompeu-se o tênue véu sobre o lago,
Tua alma agora leve, flutua na volta de mais essa etapa.
Amigos e parentes mortos, que há muito dormiam no carinho de teu coração
Lá estarão a te dedicarem conforto e notarem que voltaste muito maior.
Tua trajetória breve, povoada de agruras nestes últimos meses,
Trilhaste de fronte erguida, desafiando a gravidade da doença com um sorriso
de esperança.
E, mesmo no torpor da medicação intensa, denotavas a lucidez de quem
descobriu a virtude Como uma flor num charco, a dádiva que o sofrimento
imprimiu em tua alma.
Meu grande amigo, quiçá um dia tenhamos a oportunidade de nos reencontrarmos
num outro tempo, num outro lugar...
E, na certeza que nos reconheceremos parte de uma mesma família,
Essa que transcende os laços sangüíneos da efêmera existência terrena,
Essa chama inextingüível, acesa pelo sol intenso de nossa adolescência,
Se as circunstâncias eternas nos forem favoráveis, relembraremos da
intensidade de nossa juventude.
E dos tempos em que formulávamos as mais ingênuas explicações para os mais
complexos mistérios do mundo;
E dos tempos em que jogávamos basquete como se a bola fosse o mundo que
detínhamos nas mãos;

Dos tempos em que ao som de Pink Floyd, Jethro Tull, King Crimson,
remetíamo-nos a intensas divagações oníricas;
Dos tempos em que a vida parecia estar circunscrita na pretensiosa extensão
de nossas consciências, sob o jugo absoluto de nossas vontades;
Dos tempos em que o tempo andava sem pressa conquanto resoluto em nos
envelhecer devagar.
Entre as reflexões que externávamo-nos mutuamente, estava a constatação de
que os anos passariam, casaríamos, teríamos filhos e continuaríamos grandes
amigos
Raramente cogitávamos a morte antes de nossa velhice, onde esperávamos
mantermo-nos em contato, alimentando-nos reciprocamente das experiências
vividas
Sobreveio as circunstâncias da vida adulta, onde os compromissos de
sobrevivência destoam dos ideais firmados
Onde as escassas frações que o tempo nos empresta são aquelas em que estamos
mais cansados
Onde trabalho, família, moradia, dinheiro e acontecimentos diversos vão
afastando lentamente uns dos outros os velhos amigos de outrora,
Aquela amizade intensa dá lugar a uma outra, não menos sólida, provida da
mais profunda consideração recíproca

E, quando, por força das circunstâncias, a vida nos cedia o óbolo de um
instante,
bastavam algumas frases,
algumas incursões no passado perdido,
alguma lembrança alegre de nossas ousadias ou da forma como a sorte nos
provia de alternativas inusitadas ante às mais embaraçosas situações,
para que nossas auras se imantassem e nos reconhecêssemos grandes amigos
O céu hoje acordou chumbado sobre os ombros de teus amigos
Reconhecemos em tua partida o inevitável plano do destino o qual não nos é
facultado alterar
Vai, meu amigo, sustenta-te em tua fé.
Tua esposa, teus filhos, estarão sob a guarda de Deus, que em seus desígnios
não desampara ninguém
Talvez um dia compreendamos na íntegra o roteiro a nós determinado (quem
sabe por nós mesmos escolhido?) e possamos definitivamente agradecê-Lo pela
dor que nos é infligida.
Vai, meu amigo, e fica conosco em pensamento, em lembranças, em saudade
Pois em nossos corações existe um canto perenamente habitado por nossos
grandes amigos...

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