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Habeas Almas

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Turma de Amigos - O início no Colégio São Paulo

Na foto:Vládi, Nando, Daison, Rubens (Braminha), Arlei (Boca)


TURMA - O INÍCIO (1)
Quando paro para tentar lembrar, qual foi o acontecimento que marcou o início de nossa turma de amigos, me encho de dúvidas. Cada um de nós talvez tenha uma versão ou evento diferente para apontar como o ponto de partida, a partir do qual foram sendo agregadas mais e mais amizades nesses já quase 30 anos.
Me orgulho de ter compartilhado com os demais todas essas experiências. De tempos em tempos, confesso, remeto-me mentalmente àqueles tempos de final de ginásio, e, ao lembrar das situações que vivemos, sempre um leve sorriso se insinua em meu rosto. Sempre uma saudade boa passeia de mansinho em minha mente, trazendo um pouco da magia daqueles tempos de colégio, festas e descobertas. A medida que envelheço, percebo que nem todas as pessoas tiveram experiências equivalentes e que talvez sejamos realmente privilegiados por essa amizade tão duradoura.
Não pretendo estabelecer uma sequência muito cronológica ao contar essas lembranças da nossa turma. Isso porque acho mais interessante contá-las, à medida que eu for me lembrando ou sendo lembrado por alguns amigos que as viveram também. Outro motivo é que algumas situações, ainda que separadas por um intervalo de tempo, estão bastante relacionadas entre si.
Ao iniciar essa narrativa tenho que, inevitavelmente, começar por mim. Mesmo porque, os acontecimentos que se sucederam, serão contados aqui sob a minha ótica. Muitos deles, não foram por mim presenciados, mas estão relatados aqui conforme pude apurar nos depoimentos de quem deles participou. Alguns relatos são resultado de uma compilação de versões diferentes, procurando estreitar ao máximo a distância entre o relato e o fato. Acho essa referência necessária, aqui logo no início, porque algumas histórias são um pouco difíceis de se acreditar.
Acho que tudo começou no colégio São Paulo, em meados de 1980, no auge da discoteca. Éramos roqueiros, os outros eram cocotões (leia-se, hoje, caretas). Aos poucos, íamos acrescentando em nosso vocabulário, inúmeros rótulos para definir os outros jovens que não se encaixavam em nossos padrões(que nada mais eram do que as nossas preferências musicais).Nós os chamavamos de punks, cdf´s, "lóquis" e outros tantos adjetivos esquisitos que iam surgindo.
Ao voltar mentalmente ao passado, tentando identificar um início, lembro-me do Vládi, do Mauro, do Paulinho, do Zé Bolt e do Rubens. O Vládi e o Zé estudaram comigo na 5ª série e em algumas outras. O Mauro era irmão do Vládi e o Paulinho eu conheci, através deles, nas festinhas de final de semana. Com o Rubens acho que eu não estudei, mas o conheci no colégio também. Uma das coisas, que certamente aprendi com esses caras, foi a gostar de jogar basquete. Eles tinham essa preferência, enquanto que a grande maioria, inclusive eu, jogavam futebol.

TURMA - O INÍCIO (2)

Nos horários de intervalo, na chamada hora do recreio, as garotas se aglomeravam em torno da quadra de basquete. Até hoje eu não sei se era porque gostavam mais de basquete , ou se era porque em torno da quadra de basquete era o melhor lugar para se sentar e bater um papo. A quadra de basquete ficava mais baixa em relação ao resto do pátio e o desnível que existia funcionava como um enorme banco de concreto, onde as garotas sentavam para saborear seus lanches, conversar e assistir aos jogos.
Apesar de ter tentado, nunca consegui jogar basquete bem. Porém, ao me aproximar daquele grupo do qual alguns eu já conhecia, eu fui descobrindo que tínhamos muitas preferências em comum. Usávamos as mesmas marcas de roupas, curtíamos o mesmo tipo de música, etc. Constituíamos um grupo mais ou menos homogêneo, que se tornava cada vez mais numeroso à medida que o tempo passava.
O conhecimento de rock, com direito a biografia e discografia das bandas, era o principal pré-requisito para fazer parte da turma. A imagem dos discos que levávamos prá lá e prá cá junto aos livros, permanece ainda muito viva em mim. Na nossa relação com as garotas, os discos eram apenas um pretexto. Emprestávamos e tomávamos emprestados, mais com a intenção de estabelecer um vínculo com algumas delas do que meramente apreciar as novidades musicais.– Já escutou aquele que eu te emprestei? Vai me emprestar o disco aquele, então? Eram frases, freqüentemente usadas por nós, para iniciar uma abordagem. E funcionava, pois entre nossas amizades femininas estava o que de melhor o colégio poderia oferecer.
Não sei se éramos bonitos, me inclino a achar que éramos mesmo diferentes. Isso era perceptível na comparação com os outros rapazes. Enquanto eles aceitavam as imposições do 'poder' (representado pela direção da escola e alguns professores), nós discutíamos nossos direitos, fazendo-os muitas vezes ceder:

– Rapaz, se tu vier na segunda-feira com esse cabelo comprido, eu vou te mandar de volta prá casa! Disse o coordenador de turmas, ao encontrar um colega nosso no corredor, no final do intervalo.

Convém salientar que o posto de coordenador era o segundo em grau de autoridade no colégio, só ficava abaixo da irmã diretora. Laerte era um senhor de uns quarenta e poucos anos, que apesar de não ser alto, olhava todo mundo como se estivesse de cima, inclinando levemente a cabeça prá trás. Era o representante mais temido do colégio, porém seu ar de ditador por vezes perdia a gravidade. Isso acontecia principalmente quando ele se metia a jogar vôlei com algum alunos e alguns fios de cabelo desciam do topo da cabeça, ficando dependurados ao lado do rosto. A careca reluzia no sol e o pessoal todo procurava esconder o riso. Há que se dizer que depois de alguns anos de convívio no colégio passei a admirá-lo pelo excelente professor de matemática que ele era e a compreender que ele estava apenas desempenhando o papel disciplinador que seu emprego lhe exigia e que no fundo era boa pessoa.

TURMA - O INICIO (3)

– Hã?
– Eu disse que se tu vier na segunda-feira com esse cabelo comprido, eu vou te mandar de volta prá casa! Repetiu Laerte com menos paciência ainda.
– Mas Jesus não usava cabelos compridos também? Retrucou Cebola prontamente.
André, conhecido como Cebola não sei porque, não era o que se pode chamar de aluno disciplinado. Pelo contrário já havia aprontado muitas e o coordenador já estava com ele na mira. Ele tinha os cabelos muito compridos, ao meio das costas. Para completar, ele sempre pedia para as pessoas repetirem o que falavam com um "hã?". Não sei se era muito disperso ou se era surdo mesmo. O caso é que isso ás vezes impacientava quem quer que estivesse tentando conversar com ele. Junto com André Cebola, andava Laércio, um cara meio quieto, tímido até, mas que seguia à risca os passos do cabeludo.
– Mas, olha só... Querendo se comparar a Jesus... Não tem vergonha? Disse o coordenador, em tom de deboche.
– Muito pelo contrário– respondeu Cebola – quanto mais eu ficar parecido com ele , muito melhor será prá mim, não acha?
A pergunta era difícil para o coordenador responder. Se dissesse que não, ele poderia ter que dar explicações para as freiras ou para os pais dos alunos, tendo em vista que era um colégio religioso. Se, em contrapartida, respondesse que não, admitiria ter perdido a parada pro cabeludo. Ele preferiu não falar mais nada, fez de conta que não era com ele e se foi.
Na verdade Laerte fez um recuo estratégico sem contudo perdoar o rapaz. Algum tempo depois , aproveitando algumas besteiras que o cabeludo aprontou, expulsou ele e seu companheiro Laércio. Tal providência foi bastante comentada no colégio todo, aumentando ainda mais o temor em torno do nome do coordenador.
Uma das coisas com que as freiras mais implicavam era com relação ao uniforme. Camiseta de malha personalizada, azul celeste, e calça de tergal azul-marinho para os rapazes. Às meninas era permitido também a saia azul marinho, não muito curta. De um ano para o outro haviam variações, mas elas orientavam a portaria que adotassem um certo rigor quanto ao traje com que os alunos ingressavam no colégio.
Aquele dia "Seu" Silveira estava no portão, fiscalizando a entrada, como de costume. Geralmente entrávamos pelo portão meio escondidos porque, não era raro, estarmos com o uniforme irregular.

– Não pode entrar de calça Lee! Disse Silveira vindo em nossa direção .
Xii...Algum de nós tinha sido pego, foi o pensamento geral. Olhávamos apreensivos sem contudo deixar de tentar nos esconder, cobrindo a visão do porteiro com os demais alunos que entravam.
Silveira, segurou Nando pelo braço com relativa força, mostrando que o nosso colega, de fato, não iria poder entrar.

A expressão "Calças Lee", convém explicar aos mais novos, era bastante usada para designar qualquer calças jeans, sobretudo pelas pessoas de mais idade, devido a grande popularidade que haviam tido as calças daquela marca. Apesar disso era difícil agüentar essa generalização. Acho que só aguentávamos porque nos criamos ouvindo nossos pais chamarem calças jeans de " Brim Coringa", o que, convenhamos, era bem pior.
Essa não era a única peça do vestuário apelidada de forma esquisita. Ainda persistiam outras como "guides" para designar tênis, por exemplo.

Não obstante serem também de cor azul-marinho, havia um relativo preconceito das freiras em relação às calças de brim. Não sei se porque elas desbotavam, ou mesmo porque davam um certo ar de rebeldia. O fato é que elas proibiram o uso desse tipo de calças nas dependências do colégio numa certa época.
– Mas essa aqui é Levi’s, seu Silveira. Pode ler aqui...
Nando falou aquilo sem muita convicção de que iria colar. Nós ficamos todos na expectativa da reação do porteiro. Por incrível que pareça o velho soltou o braço dele. Forçou um pouco mais os olhos para ver se enxergava melhor a etiqueta, colocando ao mesmo tempo a mão no queixo, no clássico gesto de quem está cheio de dúvidas.
– Ah, bom. Então pode entrar– consentiu finalmente. E, antes que ele nos dissesse qualquer coisa, fizemos questão de ir entrando pelo portão mostrando as etiquetas das calças:
– A minha é US Top, ó...
– A minha é Wrangler...
Quando eu olhei para trás, antes de entrar na sala de aula, eu pude ver o Silveira na guarita, ainda com a mão no queixo, submerso em dúvidas.

TURMA - O INICIO (4)

Não tardou para surgirem convites para festinhas de aniversário, das quais eu tenho ótimas lembranças. Mais tarde descobriríamos ( como vou contar depois), que convite mesmo não era necessário para festa nenhuma. Bastava ir, dar um jeito de entrar e se manter na festa o máximo de tempo possível, antes de ser colocado prá fora.
A primeira festinha da qual me lembro foi o aniversário da Cátia, estavam todos lá. Rolava ao fundo Queen, Led Zeppelin e flertes prá todos os lados. Lembro nitidamente da música 'All my Love' do led rodando direto no toca-discos de vinil.

As coisas eram de fato assim, alguns eventos transcorriam com relativa normalidade e eram até tediosos para alguns. Eu, por exemplo, não achei lá essas coisas essa primeira festinha. Os pais da garota sugeriram o fim da festa logo cedo, assim que perceberam o grau de empolgação e de álcool da gurizada. Outros, no entanto, adoraram.
Era dessa forma que transcorriam nossas vidas. Diferentes experiências diantes dos mesmos fatos. Uma ocasião chata, enfadonha para alguns, assumia proporção cinematográfica ao ser relembrada por outros.
Nos reuníamos nos intervalos das aulas, no pátio do colégio, para contar nossas histórias. Invariavelmente, percebíamos que, a forma como contávamos, era tão, ou mais importante, que os fatos em si. Nos divertíamos muito ao sabermos de alguns detalhes a mais sobre o que tinha acontecido na festa anterior. Alguns, na verdade, eram mestres na arte de contar.Faziam trejeitos, acrescentavam elementos que, de tão engraçados, eram difíceis de engolir. Percebia-se, também, que, quanto mais ousados fôssemos em determinada situação, maior a admiração que conquistávamos no grupo.

Talvez , em função disso, é que alguns colegas, na intenção de se auto-afirmarem, se excediam tanto nas ações, quanto na ingestão de bebidas. Quando isso acontecia geralmente dávamos boas gargalhadas relembrando os aconteciementos. Os personagens centrais dessas histórias eram, dependendo do que fizeram, ora admirados, ora provocados com todo o tipo de gozação. No fundo eu suspeito que fazer algo extraordinário como tocar o sino da igreja durante a madrugada (fato que realmente ocorreu durante uma festa) era algo que conferia um certo grau de confiança dos demais. E quem protagonizava essas atitudes o fazia não só pela diversão no momento, mas pelas risadas que daria depois ao contar.

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